sexta-feira, 10 de junho de 2011

Manuel da Fonseca


MALTÊS

I

Em Cerromaior nasci.

Depois, quando as forças deram
para andar, desci ao largo.
Depois, tomei os caminhos
Que havia e mais outros que
Depois desses eu sabia


E tanto já me afastei
Dos caminhos que fizeram,
Que de vós todos perdido
vou descobrindo esses outros
Caminhos que só eu sei.

II

Veio o guarda com a lei
No carro das carabinas.


Cercaram-me num montado;
puseram joelho em terra;
gritaram que me rendesse
à lei dos caminhos feitos.
Mas eu olhei-os de longe,
tão distante e tão de longe,
o rosto apenas virado,
que só vi em meu redor
dez pobres ajoelhados
perante mim, seu senhor.

III

Gente chego às janelas,
saíram homens à rua:
- as mães chamaram os filhos,
bateram portas fechadas!


E eu, o desconhecido,
o vagabundo rasgado
entrei o largo da vila
entre dez guardas armados;
- mais temido e mais armado
que o deus a que todos rezam.


- Que nunca mulher alguma
se rendeu mais a um homem
que a moça do rosto claro
ao cruzar os olhos pretos
com o meu olhar de rei!

IV

...E vendo que eu lhes fugia
assim de altiva maneira
à sua lei decorada,
lá,
longe do sol e da vida,
no fundo duma cadeia,
cheios de raiva me bateram.
Inanimado,
tombei por fim a um canto.


E enquanto eles redobravam
sobre o meu corpo tombado,
adormecido
eu descansava
de tão longa caminhada!...

Manuel da Fonseca
(1911-1993)
In "Obra Poética"

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