MESMO QUE SÓ UM INSTANTE
Mesmo que só um instante, desejamos
descansar. Sonhamos entregar-nos.
Não sei, mas em qualquer lugar
desde que a vida deponha seus espinhos.
Um instante, talvez. E regressamos
atrás, ao passado enganoso que se fecha
sobre o temor actual, que dia a dia
outrora também conhecemos.
Esquece-se
depressa, esquece-se o suor de tantas noites,
a ânsia nervosa que amarga o melhor ganho,
levando-nos a ele rendidos de antemão
sem mais que esse vazio de chegar,
a indiferença estranha do que já está feito.
De modo que cada vez que este temor,
o eterno temor que possui nosso rosto
nos assalta, gritamos invocando o passado
-invocando um passado que jamais existiu-
Para crer ao menos que em verdade vivemos
e a vida é de mais do que esta pausa imensa,
vertiginosa,
quando a própria vocação, aquilo
sobre que fundamos um dia o nosso ser,
o nome que demos à nossa dignidade
vemos que não era mais
que um desolador desejo de esconder-se.
Jaime Gil De Biedma
(1929-1990)
In "Antologia Poética"
Trad. de José Bento.
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