terça-feira, 15 de setembro de 2009

Andrés Stagnaro / Que amor no me engaña.

Bocage nasceu a 15 de Setembro de 1765.



"A Água"

Meus senhores eu sou a água
que lava a cara, que lava os olhos
que lava a rata e os entrefolhos
que lava a nabiça e os agriões
que lava a piça e os colhões
que lava as damas e o que está vago
pois lava as mamas e por onde cago.

Meus senhores aqui está a água
que rega a salsa e o rabanete
que lava a língua a quem faz minete
que lava o chibo mesmo da raspa
tira o cheiro a bacalhau rasca
que bebe o homem, que bebe o cão
que lava a cona e o berbigão.

Meus senhores aqui está a água
que lava os olhos e os grelinhos
que lava a cona e os paninhos
que lava o sangue das grandes lutas
que lava sérias e lava putas
apaga o lume e o borralho
e que lava as guelras ao caralho

Meus senhores aqui está a água
que rega rosas e manjericos
que lava o bidé, que lava penicos
tira mau cheiro das algibeiras
dá de beber ás fressureiras
lava a tromba a qualquer fantoche e
lava a boca depois de um broche.

Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805)

Casal dos Bernardos (Alto da Chamusca) em dia de Vindima.


(Foto Fel de Cão)

Poema


Quero dos Deuses só que me não Lembrem

Quero dos deuses só que me não lembrem.
Serei livre — sem dita nem desdita,
Como o vento que é a vida
Do ar que não é nada.
O ódio e o amor iguais nos buscam; ambos,
Cada um com seu modo, nos oprimem.
A quem deuses concedem
Nada, tem liberdade.

Ricardo Reis, in "Odes"
Heterónimo de Fernando Pessoa

domingo, 13 de setembro de 2009

Políticos




Homens com ambição
são políticos sem convicção.

Quer no governo,
quer na oposição,
o que dizem num momento, desdizem noutro,
consoante a posição que detêm:
governo ou oposição.

Fazem leis sem ciência!
Na urgência do instante,
sem consideração pelo futuro,
pelo voto sem consciência,
na protecção da imunidade.

Porque o partido não é individual
e o partido é a justificação total.
Sem ele, não são políticos!
Sem ele, são responsabilizados!

Políticos!
Sejam de esquerda,
sejam de direita,
tem preocupações comuns:

A demagogia,
pela qual obstruem e afundam a democracia.
E o bem-estar.
Os políticos preocupam-se com o bem-estar.

Com o deles!



in Aforismos e Reflexões [Poética]

Poema


(Foto Fel de Cão)

A BUCÓLICA MARGEM

Sento-me então a olhar o rio,
os pensamentos formam cardumes
que contra a corrente se insurgem
mas as águas são inexoráveis;
olhando-as, a superfície cintila,
propaga-se como se fossem notas
de um piano na garupa de um cavalo
que se dirige para o mar.
O Douro bebe as cores da cidade,
sobre elas eu abro o coração
em que te encontras, as colinas
emolduram as raizes que à terra
nos ligam. Para os meus olhos
é momento de pausa: as coisas
que interrogo não resistem à maré,
não dão respostas; perdem-se no mar
como tudo o que a memória não reteve.
Mas este rio
já foi longamente folheado, nele
escrevemos
o romance que nos deu uma casa,
nos cortou o cabelo, nos afastou
das rugas, nos entregou o azul
(tecido, nuvem, divã, janela...),
o voo das artérias, lugar do corpo,
portas que amanhecem, espelho
onde fazemos fluir a vida. Acordes
da guitarra que forja o horizonte,
que guia o sinuoso voo das gaivotas
e acaricia a pele que rasga atalhos
no interior dos sonhos. Estarei
vivo enquanto assim me guardar
teu coração. E no seu lucilar,
esta água imita o fogo
que devora sombras e escombros,
libertando a asa que no sangue
respira. A foz está próxima,
mas o horizonte é o teu olhar.
No leitor do carro, a guitarra flexível
sublinha o que divago; os acordes
disparam,
encontram-me na trajectória do seu alvo.


Egito Gonçalves

As Velhas do Alentejo / Grupo Instrumental do Montoito.

Psss Tó Maxoste - Stress Alentejano.

Alma Lusitana / Fernando Girão

Poema



ARTE PERIPOÉTICA
Aristóteles, visita
da casa de minha avó,
não acharia esquisita
esta forma de estar só
esta maneira de ser
contra a maneira do tempo
esta maneira de ver
o que o tempo tem por dentro.
Aristóteles diria
entre dois goles de chá
que o melhor ainda será
deixar o tempo onde está
pô-lo de perto no tema
e de parte na poesia
para manter o poema
dentro da ordem do dia.
Aristóteles, visita
da casa de minha avó,
não acharia esquisita
esta forma de estar só.
Ele sabia que o poeta
depois de tudo inventado
depois de tudo previsto
de tudo vistoriado
teria de fazer isto
para não continuar
com que já estava acabado
teria de ser presente
não futuro antecipado
não profeta não vidente
mas aço bem temperado
cachorro ferrando o dente
na canela do passado
adaga cravando a ponta
no coração do sentido
palavra osso furando
pele de cão perseguido.
Aristóteles, visita
da casa de minha avó,
não acharia esquisita
esta forma de estar só
esta maneira de riso
que é a mais original
forma de se ter juízo
e ser poeta actual.
Aristóteles, visita
da casa de minha avó,
também diria antes só
do que mal acompanhado
antes morto emparedado
em muro de pedra e cal
aonde não entre bicho
que não seja essencial
à evasão da palavra
deste silêncio mortal.

José Carlos Ary dos Santos

sábado, 12 de setembro de 2009

Teresinha por Maria Bethânia.

Outra, famosa, canção de protesto. " Give Peace a Chance " de John Lennon.

Canção de Protesto. A mais votada canção de protesto de sempre " Masters of War " de Bob Dylan

Quatro quadras soltas por Sérgio Godinho. Não deixe de ouvir.

Poema


Serradura

A minha vida sentou-se
E não há quem a levante,
Que desde o Poente ao Levante
A minha vida fartou-se.

E ei-la, a mona, lá está,
Estendida, a perna traçada,
No indindável sofá
Da minha Alma estofada.

Pois é assim: a minha Alma
Outrora a sonhar de Rússias,
Espapaçou-se de calma,
E hoje sonha só pelúcias.

Vai aos Cafés, pede um bock,
Lê o <> de castigo,
E não há nenhum remoque
Que a regresse ao Oiro antigo:

Dentro de mim é um fardo
Que não pesa, mas que maça:
O zumbido dum moscardo,
Ou comichão que não passa.

Folhetim da <>
Pelo nosso Júlio Dantas ---
Ou qualquer coisa entre tantas
Duma antipatia igual...

O raio já bebe vinho,
Coisa que nunca fazia,
E fuma o seu cigarrinho
Em plena burocracia!...

Qualquer dia, pela certa,
Quando eu mal me precate,
É capaz dum disparate,
Se encontra a porta aberta...

Isto assim não pode ser...
Mas como achar um remédio?
--- Pra acabar este intermédio
Lembrei-me de endoidecer:

O que era fácil --- partindo
Os móveis do meu hotel,
Ou para a rua saindo
De barrete de papel

A gritar <>...
Mas a minha Alma, em verdade,
Não merece tal façanha,
Tal prova de lealdade...

Vou deixá-la --- decidido ---
No lavabo dum Café,
Como um anel esquecido.
É um fim mais raffiné.

Mário de Sá Carneiro

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Poema

(Foto Fel de Cão)
Génesis

De mim não falo mais :não quero nada.
De Deus não falo:não tem outro abrigo.
Não falarei também do mundo antigo,
pois nasce e morre em cada madrugada.

Nem de existir,que é a vida atraiçoada,
para sentir o tempo andar comigo;
nem de viver,que é liberdade errada,
e foge todo o Amor quando o persigo.

Por mais justiça ...-Ai quantos que eram novos
em vâo a esperaram porque nunca a viram!
E a eternidade...Ó transfusâo dos povos!

Não há verdade:O mundo não a esconde.
Tudo se vê: só se não sabe aonde.
Mortais ou imortais,todos mentiram.
(Jorge de Sena)

Isto não é comigo.


(Foto Fel de Cão)

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

domingo, 6 de setembro de 2009

Para o Manuelinho d'Évora porque...

(Foto, feita, nesta ocasião, por Fel de Cão)
“Carta do Manuelinho de Évora a Miguel de Vasconcelos, ministro do Reino por vontade de Espanha.

Tiraste-me o direito à vida mas eu vivo
Mandaste-me prender mas eu sou livre
Que não pode morrer não pode ser cativo
Quem pela Pátria morre e só por ela vive.

Mandaste-me prender e preso não me prendes
Tu ministro do reino por vontade estranha
Tu que tudo vendeste e só não vendes
Quem luta por seu povo e não por Espanha.

Vi os campos sorrir mas não ouvi
Raparigas cantando em nossas eiras
Nossos frutos eu vi levar e vi
Na minha Pátria as garras estrangeiras.

Vi pesados tributos sobre o pobre
E vi no Paço o oiro da traição
Negros corvos eu vi pairando sobre
Minha Pátria com sombras pelo chão.

E vi velhos e meninos assentados
Nos degraus da tristeza vi meu povo cismando
Vi os campos desertos vi partir soldados
Sobre o meu povo negros corvos vi pairando.

E em cada noite ouvi o silvo do açoite
Em cada noite sempre sempre não se cansam
Os carrascos nos grandes longos turnos
Em que somente as sombras dos chicotes dançam
Como se fossem pássaros nocturnos
A encher de sangue a grande grande noite.

E em cada noite dormes sobre o sangue da cidade
Nenhuma dor te dói. Nenhum grito. Mas dói-te
Saber que se a tristeza tem a nossa idade
Da nossa idade é este sonho: Liberdade
Rosa de sangue flor da grande noite.

Não sei de quantas lágrimas se tece a dor.
Tu saberás as lágrimas choradas
Tu que só dor plantaste tu verás a flor
Da tristeza florir em ódio e espadas.

São estas as notícias que te dou
Na minha Pátria prisioneiro mas de pé.
Vai dizer ao teu rei que o meu preço não é
O baixo preço porque te comprou.

Vai dizer a Filipe quem eu sou.
Alguém que o desafia e que sabe porquê
Alguém que vê o que o teu rei não vê
Que nunca à vossa lei meu povo se curvou.

Tu ministro do Reino por vontade estranha
Vai dizer ao teu rei que viste algo de novo:
Quem luta por seu povo e não por Espanha.

E se a Pátria confundes eu distingo-a:
A Pátria não és tu mas este povo
Que não entende as leis que ditas noutra língua.

E tu que do País fizeste a triste cela
Tu que te fechas em teu próprio cativeiro
Tu saberás que a Pátria não se vende
E em cada peito em cada olhar se acende
Este vento este fogo de lutar por ela.

Tu saberás que o vento não se vende.

E não terás nas tuas mãos de carcereiro
O sol que mora nas canções que nós cantamos
Nem estas uvas penduradas nas palavras
Tu que servis as pretendeste ou escravas
Em silêncios de morte e de convento
Tu ouvirás na língua que traíste
Palavras como um fogo como um vento
Estas palavras com que Portugal resiste.
Tu saberás que há línguas que recusam amos.

Tu saberás que nós não aceitamos
O céu de que nos falas se o teu céu é feito
Do espaço estreito dessa negra cela
Que em vez do coração trazes no peito.
Tu saberás as lágrimas choradas
Quando na Pátria a dor florir em espadas
Em cada peito que sangrou por ela.

Manuel Alegre “A Praça da Canção”

José Sócrates nasceu a 6 de Setembro de 1957. Muita vida, muita saúde e....sorte...

Eça de Queiróz e os políticos...Eu disse Eça de Queiróz não fui eu que disse...mas juro que o nosso Eça sabia do que falava.

“Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente,
e pela mesma razão.”

Eça de Queiroz

Susana Baca canta o poeta Alejandro Romualdo.

Irmãos CATITA com Drogado.

Rap Alentejano.

Estou com saudades de Paris...

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Poema.


Em Horas inda Louras, Lindas

Em horas inda louras, lindas
Clorindas e Belindas, brandas,
Brincam no tempo das berlindas,
As vindas vendo das varandas,
De onde ouvem vir a rir as vindas
Fitam a fio as frias bandas.

Mas em torno à tarde se entorna
A atordoar o ar que arde
Que a eterna tarde já não torna!
E o tom de atoarda todo o alarde
Do adornado ardor transtorna
No ar de torpor da tarda tarde.

E há nevoentos desencantos
Dos encantos dos pensamentos
Nos santos lentos dos recantos
Dos bentos cantos dos conventos....
Prantos de intentos, lentos, tantos
Que encantam os atentos ventos.

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

Para pensar...


Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir.
George Orwell