segunda-feira, 28 de junho de 2010

Einaudi - Nuvole Bianche

Lou Reed - Walk on the Wild Side -

Adolfo Casais Monteiro


JAZZ


Numa cadência de enigma
entrecortada de espasmos
Saltos berros mil ruídos
o jazz canta a saudade
dum sonho que não se sabe.
Chora o jazz a velha perda
dum paraíso qualquer
deixado em longes de sombra.
E no seu ritmo diverso
langoroso e crepitante
martelado e insistente
triste e cheio de alegria
do que há muito está perdido.

Adolfo Casais Monteiro

domingo, 27 de junho de 2010

Paco Ibañez canta Miguel Hernández "Andaluces de Jaén"

Aceituneros de Miguel Hernández

J.M. Serrat canta "ELEGIA" de Miguel Hernández

Blas de Otero


FEDELIDADE

Creio no homem. Já vi
dorsos despedaçados a chicote,
almas cegas avançando aos saltos
(espanhas a cavalo
de fome e sofrimento). E acreditei.

Creio na paz. Já vi
altas estrelas, recintos chamejantes
e amanhecentes, incendiando rios
fundos, caudal humano
para outra luz: vi e acreditei.

Creio em ti, pátria. Digo
o que já vi: relâmpagos
de raiva, amor em frio e uma faca
chiando, fazendo-se em pedaços
de pão: embora hoje só haja sombra, vi
e acreditei.

Blas de Otero (1916-1979)

Paco Ibanez / António Machado

António Machado


DE NOITE,QUANDO DORMIA.

De noite, quando dormia
sonhei, bendita ilusão
que uma fonte fluía
dentro do meu coração.
Por que ribeira escondida,
água, vens tu até mim,
manancial de nova vida
onde jamais eu bebi?

De noite, quando dormia
sonhei, bendita ilusão!
que uma colmeia vivia
dentro do meu coração;
e as douradas abelhas
iam fabricando nele,
com as amarguras velhas,
branca cera e doce mel.

De noite, quando dormia
sonhei, bendita ilusão!
que um ardente sol luzia
dentro do meu coração.
Era ardente porque dava
o calor de um rubro lar,
e sol porque alumiava,
porque fazia chorar.

De noite, quando dormia
sonhei, bendita ilusão!
que era Deus o que eu trazia
dentro do meu coração.

António Machado (1875-1939)

Sarah Chang (Chopin /violino)

sábado, 26 de junho de 2010

George Brassens "Putain de Toi"

George Brassens "Les Copains D'Abord"

Mercedes Sosa "Palabras para Júlia"

João José Cochofel


Nesta paz desconforme

Nesta paz desconforme
de negação e aborrecimento
o heroísmo é desertar,
ter a coragem de um encolher de ombros.

Saber opor ao menos
ao silêncio cúmplice dos outros
a solidão radical
do emigrante interior.

João José Cochofel

José Gomes Ferreira


GOMES LEAL,II

(Grito de Gomes Leal no céu:)

"Cansado de dormir no basalto
morri e meteram-me numa nuvem de elevador
E agora cá estou no céu alto
com uma estrela ao peito em vez de flor.

Mas qualquer dia dou um salto.
(Ou peço a um anjo que me transporte
para não quebrar as pernas.)

Estou farto de céu e quero mundo! Quero morte!
Quero dor! Quero tabernas!"

José Gomes Ferreira

Carlos de Oliveira


Acusam-me de Mágoa e Desalento

Acusam-me de mágoa e desalento,
como se toda a pena dos meus versos
não fosse carne vossa, homens dispersos,
e a minha dor a tua, pensamento.

Hei-de cantar-vos a beleza um dia,
quando a luz que não nego abrir o escuro
da noite que nos cerca como um muro,
e chegares a teus reinos, alegria.

Entretanto, deixai que me não cale:
até que o muro fenda, a treva estale,
seja a tristeza o vinho da vingança.

A minha voz de morte é a voz da luta:
se quem confia a própria dor perscruta,
maior glória tem em ter esperança.

Carlos de Oliveira, in 'Mãe Pobre'

Grandes Filmes / Grandes Músicas "If I were a rich man"

Jorge de Sena


EVIDÊNCIAS,XXI


Cendrada luz enegrecendo o dia,
tão pálida nos longes dos telhados!
Para escrever mal vejo, e todavia
a dor libérrima que a mão me guia
essa me vê, conforta meus cuidados.

Ao fim terrível que me espera extenso,
nenhum conforto poderei pedir.
Da liberdade o desdobrado lenço
meu rosto cobrirá. Nem sei se penso
ou pensarei quando de mim fugir.

Perdem-se as letras. Noite, meu amor,
ó minha vida, eu nunca disse nada.
Por nós, por ti, por mim, falou a dor.
E a dor é evidente — libertada.

Jorge de Sena

Adolfo Casais Monteiro


VEM VENTO, VARRE
(A José Rodrigues Miguéis)


Vem vento, varre
Sonhos e mortos.
Vem vento, varre
Medos e culpas.
Quer seja dia,
Quer faça treva,
Varre sem pena,
Leva adiante
Paz e sossego,
Leva contigo
Nocturnas preces,
Presságios fúnebres,
Pávidos rostos
Só cobardia.

Que fique apenas
Erecto e duro
O tronco estreme
De raiz funda.
Leva a doçura,
Se for preciso:
Ao canto fundo
Basta o que basta.

Vem vento, varre!

Adolfo Casais Monteiro

sexta-feira, 25 de junho de 2010

terça-feira, 22 de junho de 2010

Luís Cília canta José Saramago "DIA NÃO"

José Saramago


Demissão

Este mundo não presta,venha outro.
Já por tempo de mais aqui andamos
A fingir de razões suficientes.
Sejamos cães do cão:sabemos tudo
De morder os mais fracos, se mandamos,
E de lamber as mãos se dependentes.

José Saramago
"in Os Poemas Possíveis"

sábado, 19 de junho de 2010

José Saramago


OPÇÃO


Antes arder ao vento como archote
Num deserto de sombras e de medos,
Que ser a dócil rima do teu mote,
Um morrão de cigarro nos teus dedos.

José Saramago
"in Os Poemas Possíveis"

José Saramago


NÃO ME PEÇAM RAZÕES...

Não me peçam razões, que não as tenho,
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos.

Não me peçam razões por que se entenda
A força de maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não aceito.

Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e destruir:
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de primavera que há-de vir.

José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"

José Saramago


POEMA A BOCA FECHADA


Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.


(In "OS POEMAS POSSÍVEIS")

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Eugénio de Andrade


(Retrato por Alberto Péssimo)
DISCURSO TARDIO À MEMÓRIA DE JOSÉ DIAS COELHO


Éramos jovens, falávamos do âmbar
ou dos minúsculos veios de sol espesso
onde começa o verão; e sabíamos
como a música sobe às torres do trigo.

Sem vocação para a morte, víamos passar os barcos,
desatando um a um os nós do silêncio.
Pegavas num fruto: eis o espaço ardente
do ventre, espaço denso, redondo, maduro,

dizias: espaço diurno onde o rumor
do sangue é um rumor de ave
-repara como voa, e poisa nos ombros
da Catarina que não cessam de matar.

Sem vocação para a morte, dizíamos. Também
ela, também ela não a tinha. Na planície
branca era uma fonte: em si trazia
um coração inclinado para a semente do fogo.

Morre-se de ter uns olhos de cristal,
morre-se de ter um corpo, quando subitamente
uma bala descobre a juventude
da nossa carne acesa até aos lábios.

Catarina, ou José - o que é um nome?
Que nome nos impede de morrer,
quando se beija a terra devagar
ou uma criança trazida pela brisa?


Eugénio de Andrade

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Nani


Não é que esteja muito interessado no misto Luso-Brasileiro de Queirós...Mas quem é que me diz o "segredo" do afastamento do Nani?

domingo, 13 de junho de 2010

Álvaro de Campos ( Fernado Pessoa )


COMEÇO A CONHECER-ME.NÃO EXISTO.

Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
ou metade desse intervalo, porque também há vida ...
Sou isso, enfim ...
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelos no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato.


Álvaro de Campos
(Fernando Pessoa)

Fernando Pessoa nasceu a 13 de Junho de 1880


O QUE HÁ EM MIM É SOBRETUDO CANSAÇO



O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossìvelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser…

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto…
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...

Álvaro de Campos
(Fernando Pessoa 9/10/1934)

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Egito Gonçalves


O POEMA


Em cima deste sonho há uma pedra.
E dentro deste sonho estou sozinho.

É um sonho no interior de paredes opacas,
um ovo de solidão, quase uma cegueira.
Não sei o que se passa, o que me cerca.
Ignoro se me vêem.

Em cima deste sonho há uma pedra.
Ela pesa. Deforma. Ainda cresce.

Dentro do sonho não sei o que fazer. Como
achar uma saída,
um perfume, chamar a mim uns olhos
que perfurem a névoa.

É a cinza de um corpo que a vida
devorou, a mutilada despedida
que o ovo/sonho encerra? Uma corrente
fria, em transe,
corre para os alvéolos do abismo.

É apenas um sonho. E uma pedra
complemento directo
de uma angústia.

No exterior há talvez um sorriso
no fio dos limites
que a distância perturba.

Egito Gonçalves
"In A Ferida Amável"

A Valsinha das Medalhas (Ou o 10 de Junho)

Carlos Tê ( A Valsinha das Medalhas )


Valsinha das Medalhas

Já chegou o dez de Junho
O dia da minha raça
Tocam cornetas na rua
Brilham medalhas na praça

Rolam já as merendas
Na toalha da parada
Para depois das comendas
E ordens de torre-e-espada

Na tribuna do galarim
Entre veludo e cetim
Toca a banda da marinha
E o povo canta a valsinha

Povo: Encosta o teu peito ao meu
Sente comoção e chora
Ergue um olhar para o céu
Que a gente não se vai embora

Povo: Quem és tu donde vens
Conta-nos lá os teus feitos
Que eu nunca vi pátria assim
Pequena e com tantos peitos

Já chegou o dez de Junho
Há cerimónia na praça
Há colchas nos varandins
É a guarda que passa

Desfilam entre grinaldas
Velhos heróis de alfinete
Trazem debaixo das fraldas
Mais índias de gabinete

Na tribuna do galarim
Entre veludo e cetim
Toca a banda da marinha
E o povo canta e valsinha

Carlos Tê

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Léo Ferré "Quartier Latin"

Jorge de Sena


Epitáfio

De mim não buscareis, que em vão vivi
de outro mais alto que em mim próprio havia.
Se em meus lugares, porém, me procurardes
o nada que encontrardes
eu sou e minha vida.

Essas palavras que em meu nome passam
nem minhas nem de altura são verdade.
Verdade foi que de alto as desejei
e que de mim só maldições cobriam.
Debaixo delas a tradição se esconde,
porque demais me conheci distante
de alturas que de perto não existem.

Fui livre, como as águas que não sobem.
Pensei ser livre, como as pedras que caem.
O nada contemplei sem êxtase nem pasmo
que o dia a dia
em que me via
ele mesmo apenas era e nada mais.

Por isso fui amado em lágrimas e prantos
do muito amor que ao nada se dedica.
Nada que fui, de mim não fica nada.
E quanto não mereço é o que me fica.

Se em meus lugares, portanto, me buscardes
o nada que encontrardes
eu sou e minha vida.

Jorge de Sena
(8/1/1953)

António Manuel Couto Viana


PORTUGAL


Este mendigo, outrora, era um menino d'oiro,
Teve um Império seu, mas deixou-se roubar.
Hoje, não sabe já se é castelhano ou moiro
E vai às praias ver se ainda lhe resta o mar!

13 de Março de 1976.
António Manuel Couto Viana.

terça-feira, 8 de junho de 2010

António Manuel Couto Viana.


António Manuel Couto Viana morreu hoje com 87 anos de idade.

PEDRA TUMULAR

A minha geração fugiu à guerra,
Por isso a paz que traz não tem sentido:
É feita de ignorância e de castigo,
Tão rígida e tão fria como a pedra.

Desfazem-se-lhes as mãos em gestos frágeis,
Duma verdade inútil por vazia,
E a língua imóvel nega o som à vida,
Por hábito ou por falta de coragem.

Se há rumores lá de fora,às vezes,lembra:
Porque é que pulsa o coração do mundo,
Precipitado,angustioso,ardente?

Mas depressa submerge na indiferença
-Que lhe deram um túmulo seguro;
E o relógio dá-lhe horas certas,sempre.

António Manuel Couto Viana (24/01/1923-08/06/2010)
(23 de Março de 1954)
"in Mancha Solar,1959"

Cesaria Evora "Beijo Roubado"

Patxi Andion "AQUI"

Patxi Andion "Con Toda la Mar Detras"

Pablo Neruda


A GRANDE ALEGRIA


A sombra que indaguei hoje não me pertence.
hoje tenho a alegria duradoura de um mastro,
a herança dos bosques, o vento dos caminhos
e um dia decidido sob a luz terrestre.

Não escrevo para que outros livros me aprisionem
nem para encarniçados aprendizes de lírio,
mas para simples habitantes que pedem
água e lua, elementos da ordem imutável,
escolas, pão e vinho, guitarras, ferramentas.

Escrevo para o povo, mesmo que ele não possa
ler minha poesia com seus olhos rurais.
Virá o instante em que uma linha, o ar
que alterou minha vida tocará seus ouvidos,
e então o camponês levantará os olhos,
o mineiro sorrirá partindo pedras,
o ferreiro limpará a fronte,
o pescador verá melhor o brilho
dum peixe que a palpitar lhe queima as mãos,
o mecânico, limpo, recém-lavado, cheio
de aroma de sabão, olhará meus poemas,
dirão talvez: «Foi um nosso camarada.»

Isso é bastante; é a coroa que busco.

Quero que à saída das fábricas e minas
estejam os meus poemas agarrados à terra,
ao espaço, à vitória do homem oprimido.
Quero que um jovem encontre na dureza
que construí, com lentidão e com metais,
como um cofre, ao abri-la, face a face, a vida,
e mergulhando a alma toque as rajadas que fizeram
minha alegria, na altura tempestuosa.

Pablo Neruda

Pablo Neruda


SEMPRE


Mesmo que os passos toquem mil anos este sítio,
não apagarão o sangue dos que tombaram aqui.

E não se extinguirá a hora em que caístes,
ainda que mil vozes cruzem este silêncio.
A chuva empapará as pedras desta praça,
mas não apagará vossos nomes de fogo.

Mil noites cairão com suas asas negras,
sem destruir o dia que estes mortos esperam.

O dia que esperamos dispersos pelo mundo,
tantos homens,o dia final do sofrimento.

Um dia de justiça conquistada na luta,
e vós,irmãos caídos,em silêncio,
estareis connosco nesse vasto dia
da batalha final,no dia imenso.

Pablo Neruda.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Casimiro de Brito


A PAZ

Se eu te pedisse a paz, o que me darias
pequeno insecto da memória de quem sou
ninho e alimento? Se eu te pedisse a paz,
a pedra do silêncio cobrindo-me de pó,
a voz rubra dos frutos, o que me darias
respiração pausada de outro corpo
sob o meu corpo?

Perdoa-me ser tão só, e falar-te ainda
do meu exílio. Perdoa-me se não te peço
a paz. Apenas pergunto: Que me darias
em troca se ta pedisse? A sabedoria?
Um cavalo de olhos verdes? Um tronco de madeira
para nele gravar o teu nome junto ao meu?
Ou apenas uma faca de fogo, intranquila,
no centro do coração?

Nada te peço, nada. Visito, simplesmente,
o teu corpo de cinza. Falo-lhe de mim,
entrego-te o meu destino. E dele me liberto
só de perguntar-te: o que me darias
se te pedisse a paz
e soubesses de como a quero revestida
por uma crosta de sol em liberdade?

Casimiro de Brito
do livro "Jardins de Guerra"(1966)
(Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa 1971)

João Rui de Sousa


PONTO DE FUGA

Procuro a minha voz e não a encontro.
Procuro o meu silêncio e não o tenho.
Ao desencontro vem o desencontro,
do maior ao menor é o meu tamanho.

No alto das esferas rolam as esferas, .
ermo adormecido, doida escuridão.
Procuro ali a voz e não a encontro.
Procuro o meu silêncio e não mo dão.

A espaços vi tão perto o meu querer,
a dúvida desfeita, puro abraço,
que logo pensei eu que a voz viesse
ou chegasse o silêncio ao meu cansaço.

Mas não. No grande desencanto (e frio)
em que na rua, gasto, me detenho,
procuro a minha voz e não a encontro,
procuro o meu silêncio e não o tenho.

JOÃO RUI DE SOUSA

domingo, 6 de junho de 2010

MAVI MARMARA

(Foto da Net)
OS primeiros resultados das autópsias ao corpos das vitimas do assassinato (Terrorismo de Estado) levado a cabo por militares (assassinos) sionistas revelam que foram atingidos por trinta disparos,a maioria a curta distância e contra as costas e a nuca dos activistas. Só um foi atingido na testa com um só tiro e à distância. O mais novo ' de 19 anos, foi atingido cinco vezes sendo duas na cabeça.As vítimas tinham entre duas a seis balas. Isto,em qualquer parte do mundo é um crime, tão brutal como desnecessário. Claro que para Israel que lida com o crime, como bebe água, e para os amigos e protectores Norte Americanos com Obama ao comando é canja. Quanto ao resto do mundo tem ai o Futebol para se entreter e, para a maior parte dele, tudo está bem.Mundo cruel este em que vivemos.

Egito Gonçalves


O VALOR DAS PALAVRAS


Penso Liberdade, Esperança...
Palavras que possuem tua cor,
teu ritmo. Identifico-as
com o teu rosto. Nelas
me reconheço.

E sou livre
e espero.

Penso palavras que erguem
a claridade. Respiro-as
com o vento, o cheiro da resina.
Macias pestanas que auxiliam
a acordar sem fadiga. Laranjas
que eliminam a sede.

Sorris-me
e acordo.

Egito Gonçalves
"In Memórias de Setembro (1966)"

Fernando Pessoa



Para onde vai a minha vida, e quem a leva?

Por que faço eu sempre o que não queria?
Que destino contínuo se passa em mim na treva?
Que parte de mim, que eu desconheço, é que me guia?

O meu destino tem um sentido e tem um jeito,
A minha vida segue uma rota e uma escala
Mas o consciente de mim é o esboço imperfeito
Daquilo que faço e sou: não me iguala

Não me compreendo nem no que, compreendendo, faço.
Não atinjo o fim ao que faço pensando num fim.
É diferente do que é o prazer ou a dor que abraço.
Passo, mas comigo não passa um eu que há em mim.

Quem sou, senhor, na tua treva e no teu fumo?
Além da minha alma, que outra alma há na minha?
Por que me destes o sentimento de um rumo,
Se o rumo que busco não busco, se em mim nada caminha

Senão com um uso não meu dos meus passos, senão
Com um destino escondido de mim nos meus actos?
Para que sou consciente se a consciência é uma ilusão?
Que sou entre quê e os fatos?

Fechai-me os olhos, toldai-me a vista da alma!
Ó ilusões! Se eu nada sei de mim e da vida,
Ao menos eu goze esse nada, sem fé, mas com calma,
Ao menos durma viver, como uma praia esquecida..."

Fernando Pessoa
(1888-1935)

Alexandre O'Neill




PORTUGAL



Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!


Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.


Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...


ALEXANDRE O’NEILL
Feira Cabisbaixa (1965)

sábado, 5 de junho de 2010

Tereza Salgueiro "Voltarei à Minha Terra (Meditando)"

Ferreira Gullar


TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

Ferreira Gullar

Ferreira Gullar (Prémio Camões de 2010)


DOIS E DOIS: QUATRO

Como dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
embora o pão seja caro
e a liberdade pequena

Como teus olhos são claros
e a tua pele, morena

como é azul o oceano
e a lagoa, serena

como um tempo de alegria
por trás do terror me acena

e a noite carrega o dia
no seu colo de açucena

- sei que dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena

mesmo que o pão seja caro
e a liberdade, pequena.



Ferreira Gullar

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Pablo Neruda


TALVEZ TENHAMOS TEMPO


Talvez tenhamos tempo ainda
para ser e para ser justos.
De uma maneira transitória
agonizou ontem a verdade
e embora o saiba todo o mundo
todo o mundo bem o disfarça:
ninguém mandou algumas flores:
ela morreu e ninguém chora.

Entre o esquecimento e a aflição
um pouco antes do funeral
teremos a oportunidade
da nossa morte e nossa vida
para sair de rua em rua,
de mar em mar, de porto em porto,
de cordilheira em cordilheira,
e sobretudo de homem em homem,
e perguntar se a assassinámos
ou se a mataram os outros,
se foram os nossos inimigos
ou o nosso amor o assassino.
Porque a verdade já morreu
e agora podemos nós ser justos.

Antes devíamos lutar
com armas de calibre escuro
e por ferir-nos esquecemos
qual era o fim da nossa luta.

Nunca se soube de quem era
o sangue que nos envolvia,
acusamos outros sem cessar,
sem cessar fomos acusados,
eles sofreram e sofremos,
e depois de eles terem ganho
e termos ganho nós também
a verdade tinha morrido
de antiguidade ou violência.
Não há nada a fazer agora:
todos perdemos a batalha.

Por isso penso que talvez
por fim pudéssemos ser justos
ou por fim pudéssemos ser:
temos este último minuto
e depois mil anos de glória
para não ser e não voltar.

Pablo Neruda,"Memorial de la Isla Negra",1964
(tradução: José Bento)

Mário Andrade


ODE AO BURGUÊS


Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos;
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os "Printemps" com as unhas!

Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o èxtase fará sempre Sol!

Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
"–Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
–Um colar... –Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!"

Come! Come-te a ti mesmo, oh gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!

Fora! Fu! Fora o bom burgês!...

De Paulicéia desvairada (1922)
Mário de Andrade

Mário Dionísio


Silenciosa Música dos Cosmos


As bocas que estão fechadas
não estão caladas

Os braços que estão caídos
não estão imóveis

E os olhos que estão voltados
não estão sem ver

Homem só homem só
tu bem me compreendes quando digo
que não estás só
e bem entendes bem entendes
este longo discurso enchendo o ar
que vem de toda a parte e vai a toda a parte
eternamente
em surdina

Mário Dionísio

José Fanha


História de um Português qualquer.

Eu já dei a volta ao tecto
já comi muito caril
em Caracas fiz-me preto
em Dacar fiz-me imbecil
fui pedreiro e arquitecto
inventei o alfabeto
e exportei-o para o Brasil.

Nos baldões que a vida dá
de palhaço a sacristão
comprei ouro em Calcutá
vendi tudo em Mormugão
e emendei o alvará
para a filha do Ali-Babá
ter carta de condução.

Receitei muita mezinha
fui ceguinho, surdo e mudo
li a sina a uma rainha
e acertei em quase tudo
mas pisguei-me asinha asinha
numa lata de sardinha
forradinha de veludo.

De balão cheguei à China
ao Japão fui de trenó
aportei à Palestina
montado num Faraó
abusei da nicotina
experimentei a cocaína
viciei-me em pão-de-ló.

Pelas esquinas de Damasco
cantei tangos, viras, fados
em Moscovo abri um tasco
para ganhar alguns trocados
vendi secos e molhados
que eu para bem dos meus pecados
sigo em frente e não me enrasco.

Fui judeu na judiaria
escravo louco e espadachim
celebrei a eucaristia
ao passar por Bombaim
curei peste, lepra, azia
divulguei a telefonia
do Alasca até Pequim.

Fiz-me loiro, fui moreno
rei do rock entre sultões
mastiguei muito veneno
sofri ventos e monções
e por Cristo Nazareno
rebentei com o Sarraceno
na melhor das intenções.

Fui muitíssimo importante
numa mesa de café
estraçalhei um elefante
nas bolanhas da Guiné
fui soldado e comandante
naveguei no Campo Grande
naufraguei no Cais Sodré.

José Fanha

Pablo Neruda


Ode ao Homem Simples


Vou contar-te em segredo
quem sou eu,
assim, em voz alta
dir-me-ás quem és,
quanto ganhas,
em que fábrica trabalhas,
em que mina,
em que farmácia,
tenho uma obrigação terrível:
e é saber,
saber tudo,
dia e noite saber
como te chamas,
é esse o meu ofício,
conhecer uma vida
não basta,
nem conhecer todas as vidas,
é necessário,
verás,
há que desentranhar,
raspar profundamente
e como numa tela
as linhas ocultaram,
com a sua cor, a trama
do tecido,
eu apago as cores
e busco até achar
o tecido profundo,
assim também encontro
a unidade dos homens,
e no pão
busco
para além da forma:
gosto do pão, mordo-o,
e então
vejo o trigo
os trigais temporões,
a verde forma que tem a Primavera,
as raízes, a água,
por isso
para além do pão,
vejo a terra,
e a sua unidade,
a água,
o homem,
e tudo provo assim
buscando-te
em tudo,
ando, nado, navego,
até encontrar-te,
e pergunto-te então
como te chamas,
a rua e o número,
para que recebas
as minhas cartas,
para que te diga
quem sou e quanto ganho,
onde vivo,
e como era o meu pai.
Vês como sou simples,
e como és simples,
não se trata
de nada complicado,
eu trabalho contigo,
tu vives, vais e vens,
de um lado para o outro,
é muito simples:
és a vida,
és transparente
como a água,
e sou assim também,
o meu dever é esse:
ser transparente,
todos os dias
me educo,
todos os dias me penteio
a pensar como pensas,
e ando
como andas,
como, como tu comes,
tenho nos braços o meu amor
como tens a tua namorada,
e então
quando isto está provado,
quando somos iguais
escrevo,
escrevo com a tua vida e com a minha,
com o teu amor e com os meus,
com todas as tuas dores
e então
já somos diferentes,
porque, com a mão sobre o teu ombro,
como velhos amigos
digo-te ao ouvido:
não sofras,
está perto o dia,
vem,
vem comigo,
vem
com todos
os que se parecem contigo,
os mais simples,
vem,
não sofras,
vem comigo,
porque, embora o não saibas,
isso, sim, sei-o eu:
sei para onde vamos,
e esta é a palavra:
não sofras
pois venceremos,
havemos de vencer,
ou mais simples, nós,
venceremos,
mesmo que não o creias,
venceremos.


Pablo Neruda,"Odes Elementares",1954
(tradução: José Bento)

Era uma vez na Grécia...

Franz Kafka morreu a 3 de Junho de 1924.


(Continua ser um dos meus preferidos...)


O Livre Arbítrio

Um homem é dotado de livre arbítrio e de três maneiras: em primeiro lugar, era livre quando quis esta vida; agora não pode evidentemente rescindi-la, pois ele não é o que a queria outrora, excepto na medida em que completa a sua vontade de outrora, vivendo.
Em segundo lugar, é livre pelo facto de poder escolher o caminho desta vida e a maneira de o percorrer.
Em terceiro lugar, é livre pelo facto de na qualidade daquele que vier a ser de novo um dia, ter a vontade de se deixar ir custe o que custar através da vida e de chegar assim a ele próprio e isso por um caminho que pode sem dúvida escolher, mas que, em todo o caso, forma um labirinto tão complicado que toca nos menores recantos desta vida.
São esses os três aspectos do livre arbítrio que, por se oferecerem todos ao mesmo tempo formam apenas um e de tal modo que não há lugar para um arbítrio, quer seja livre ou servo.

Franz Kafka, in "Meditações"

terça-feira, 1 de junho de 2010

Quadra Popular


Quem quiser cantar com arte,
Cante a pena que sofrer
A mesma pena o fará
Cantar bem,sem o saber.

Egito Gonçalves


A Aventura é Ficar !…

Calafetado contra os sonhos, fico
Contigo, prisioneiro dos liames
Que te cercam e cercam o teu rosto,
A tua carne rasgada nos arames.

Extinguiu-se o apelo da partida…
As quilhas já não sofrem a espuma.
Fico contigo na luta pelo dia
No endurecido leito de caruma.

Tu estás sentada sobre a terra…
Pelas searas corre um vento rude.
Teu corpo é uma espiga amadurecida
Pela água aprisionada do açude.

Corsários acamaradam no mar largo…
Mas do teu caule fino, nasce e ondeia
À minha volta, uma canção serena
Que me prende docemente à sua teia.

Egito Gonçalves
(1922-2001)

Blas de Otero


Campo de Amor (Canção)

Se eu morrer, saibam todos que vivi
a lutar pela vida e pela paz.
Quase não pude com a pluma sempre,
aplaudam meu cantar.

Se eu morrer, será porque nasci
para entregar o tempo aos que vêm atrás.
Confio que entre todos deixaremos
o homem em seu lugar.

Se eu morrer, já sei que não verei
tangerinas jamais, nem o trigal.
Mas levantei o ancinho, isso me basta.
Outros hão-de crivar.

Se eu morrer, não me morram nunca antes
de a varanda vos abrir de par em par.
Uma criança talvez esteja a olhar
meu peito de cristal

Blas de Otero
(1916-1979)
Tradução de José Bento
"in Rosa do Mundo- 2001 Poemas para o Futuro"