DESTA VERGONHA...
Desta vergonha de existir ouvindo,
amordaçado, as vãs palavras belas,
por repetidas quanto mais traindo
tornadas vácuas da beleza delas;
desta vergonha de viver mentindo
só porque escuto o que dizeis com elas;
desta vergonha de assistir medindo
por elas as injúrias por trás delas
ao mesmo sangue com que foram feitas,
ao suor e ao sémen por que são eleitas
e à simples morte de chegar-se ao fim;
desta vergonha inominável grito
a própria vida com que às coisas fito:
Calai-vos, ímpios, que jurais por mim!
12/2/1954
Jorge de Sena
(1919-1978)
In "Antologia Poética"
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