domingo, 31 de janeiro de 2010

Sem comentários!

Frank Zappa.


"Alguns cientistas acreditam que o hidrogénio, por ser tão abundante, é o elemento básico do universo... Eu questiono este pensamento. Existe mais estupidez do que hidrogénio. A estupidez é o elemento básico do universo."

Frank Zappa

Agostinho Neto



O Choro de África



O choro durante séculos
nos seus olhos traidores pela servidão dos homens
no desejo alimentado entre ambições de lufadas românticas
nos batuques choro de África
nos sorrisos choro de África
nos sarcasmos no trabalho choro de África

Sempre o choro mesmo na vossa alegria imortal
meu irmão Nguxi e amigo Mussunda
no círculo das violências
mesmo na magia poderosa da terra
e da vida jorrante das fontes e de toda a parte e de todas as almas
e das hemorragias dos ritmos das feridas de África

e mesmo na morte do sangue ao conctato com o chão
mesmo no florir aromatizado da floresta
mesmo na folha
no fruto
na agilidade da zebra
na secura do deserto
na harmonia das correntes ou no sossego dos lagos
mesmo na beleza do trabalho construtivo dos homens

o choro de séculos
inventado na servidão
em historias de dramas negros almas brancas preguiças
e espíritos infantis de África
as mentiras choros verdadeiros nas suas bocas

o choro de séculos
onde a verdade violentada se estiola no circulo de ferro
da desonesta forca
sacrificadora dos corpos cadaverizados
inimiga da vida

fechada em estreitos cérebros de maquinas de contar
na violência
na violência
na violência

O choro de África é um sintoma

Nós temos em nossas mãos outras vidas e alegrias
desmentidas nos lamentos falsos de suas bocas - por nós!
E amor
e os olhos secos.

Agostinho Neto
(Poemas 1961)

Metodologia de trabalho em Portugal.


(Clique para aumentar)
(Retirado de Resgate Salta)

Diário de Notícias de 21 de Janeiro de 2010.

Câmara quer certificar prato típico da 'Foda à Monção'

21 Janeiro 2010

Minho. A Câmara Municipal de Monção está apostada em avançar com o processo de certificação da emblemática "Foda à Monção". Trata-se do típico prato de cabrito local e que, para travar a adulteração, a autarquia quer ver certificado. Inclusive o nome.

"É a nossa história, o nosso património. A 'Foda à Monção', permita-me a expressão porque é mesmo assim, é nossa e tem de ser preservada", apontou José Emílio Moreira, o autarca socialista. A certificação do prato foi a forma encontrada pela câmara, afirma, para "evitar que não haja uma delapidação" deste património gastronómico concelhio. A par da lampreia do rio Minho, o cabrito assado, popularmente conhecido pela expressão "Foda à Monção" e anunciado como tal nos restaurantes locais, é o grande ex-líbris gastronómico do concelho. "Porque o cabrito à nossa moda tem uma maneira muito própria de o fazer. Com a certificação vamos também exigir que quem o apresenta como prato terá um cabrito próprio das nossas terras, com determinado peso, e não os congelados que muitas vezes aparecem por aí", atirou ainda.

José Emílio Moreira sublinha que, em tempos de "comida de plástico", é importante preservar as velhas tradições e sabores da região, como este. Um prato que, diz, requer tempo, não só em termos de preparação mas também de confecção e da própria degustação. "É um esforço de certificação que queremos fazer e envolver os nossas restaurantes para todos, em conjunto, tratar bem a 'Foda à moda de Monção'. Para que quem o come não se sinta defraudado e volte cá", apontou.

Tags: Portugal

Le Petit Bonhomme En Mousse

Franz Schubert nasceu a 31 de Janeiro de 1797.

sábado, 30 de janeiro de 2010

Che por Sofia.


Che Guevara

Contra ti se ergueu a prudência dos inteligentes e o arrojo dos patetas
A indecisão dos complicados e o primarismo
Daqueles que confundem revolução com desforra

De poster em poster a tua imagem paira na sociedade de consumo
Como o Cristo em sangue paira no alheamento ordenado das igrejas

Porém
Em frente do teu rosto
Medita o adolescente à noite no seu quarto
Quando procura emergir de um mundo que apodrece

Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas"

Porque a SIDA existe...

BELLA CIAO

Federico Garcia Lorca - Leonard Cohen.

Clip Ditadura -Cálice-Chico Buarque.

António Gedeão.


(Foto Fel de Cão)

IMPRESSÃO DIGITAL

Os meus olhos são uns olhos.
E é com esses olhos uns
Que eu vejo no mundo escolhos
Onde outros com outros olhos,
Não vêem escolhos nenhuns.

Quem diz escolhos diz flores.
De tudo o mesmo se diz.
Onde uns vêem luto e dores
Uns outros descobrem cores
Do mais formoso matiz.

Nas ruas ou nas estradas
Onde passa tanta gente,
Uns vêem pedras pisadas,
Mas outros, gnomos e fadas
Num halo resplandecente.

Inútil seguir vizinhos,
Querer ser depois ou ser antes,
Cada um é seus caminhos.
Onde Sancho vê moinhos
D. Quixote vê gigantes.

Vê moinhos? São moinhos.
Vê gigantes? São gigantes.

António Gedeão.

Miguel Torga


(Foto Fel de Cão)
Borralho

Vou aquecendo os sonhos à lareira,

Sem reparar nas cinzas do brasido.

Ou olho-as distraído,

Na baça inconsciência

De que são a verónica da morte.

Sentado na cadeira habitual,

Diligência irreal

Que atravessa, morosa, a noite fria,

De mim próprio alheado,

Dou concreto calor à fantasia

Como se o lume fosse imaginado.

Miguel Torga
(S.Martinho de Anta,30 de Dezembro de 1960)

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Tchéckhov nasceu a 29 de Janeiro de 1860.

(Tchékhov e Gorki em 1900)
O grande escritor (romances e contos) nasceu há 150 anos. Muitos dos seus contos ainda hoje são agradáveis de ler. Parece que o tempo não passou.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Opera en el mercado.

Sérgio Endrigo "Una Rosa Bianca"

Pablo Milanes canta José Marti "Yo soy um hombre sincero"

José Marti, um dos mártires da América Latina,nasceu a 28 de Janeiro de 1853.


Cultivo una Rosa Blanca

Cultivo una rosa blanca
En Junio como en Enero,
Para el amigo sincero,
Que me da su mano franca.

Y para el cruel que me arranca
El corazón con que vivo,
Cardo ni ortiga cultivo
cultivo una rosa blanca.

José Marti

Vergílio Ferreira nasceu a 28 de Janeiro de 1916.


Que Há para Lá do Sonhar?

Céu baixo, grosso, cinzento
e uma luz vaga pelo ar
chama-me ao gosto de estar
reduzido ao fermento
do que em mim a levedar
é este estranho tormento
de me estar tudo a contento,
em todo o meu pensamento
ser pensar a dormitar.

Mas que há para lá do sonhar?

Vergílio Ferreira, in "Conta-Corrente"

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Miguel Torga.

(Foto Fel de Cão)
Visita

Bateu a morte à minha porta e não entrou.
Também a tanto não a convidei.
Pelo contrário,sacudi-lhe o vulto.
Sei que nunca gostou da minha vida.
Mas,contra tudo e todos,tinha de me cumprir,
Sem cuidar das sanções do desafio.
E por isso teimei no desvario
Dessa infrene quermesse.
Infeliz,se me vejo mergulhado
Na negrura da noite do meu fado.
Feliz,quando amanhece.

Miguel Torga
(Coimbra,22 de Maio de 1990)

Miguel Torga


(Foto Fel de Cão)
Adágio

Tão curta a vida e tão comprido o tempo!...
Feliz quem o não sente.
Quem respira tão fundo
O ar do mundo,
Que vive em cada instante eternamente.

Miguel Torga
(Coimbra,21 de Fevereiro de 1983)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

As notícias do Haiti.


(Foto da "Net")
Trovas para serem vendidas na Travessa de S. Domingos


O repórter fotográfico
foi ver a fuzilaria.
Ganhou o prémio do ano
da melhor fotografia.

Notícias não confirmadas
informam, de origens várias,
que as tropas revolucionárias
recentemente cercadas
acabam de ser esmagadas
com perdas extraordinárias.

Na redacção do jornal
corre tudo em sobressalto.
A hora é sensacional.
Toda a gente dormiu mal,
gesticula e fala alto.

Passageiros recém-chegados
do lugar da revolução
viram dúzias de soldados
prontos a ser fuzilados
e muitos já arrumados
e amontoados no chão.

Agora que se anuncia
já estar regulado o tráfico,
inda mal rompera o dia
foi ver a fuzilaria
o repórter fotográfico.

Vá lá, vá lá, felizmente,
felizmente que ao chegar
inda havia muita gente
que estava por fuzilar.

Numa ridente campina
de papoilas salpicada,
um sol de lâmina fina
cortava a densa neblina
da metralha disparada.

Berrando como vitelos
a malta dos condenados
avançava aos atropelos
e arrepanhava os cabelos
com gestos alucinados.

O repórter já suava,
não tinha mãos a medir;
ora a máquina carregava,
apontava e disparava,
ora no chão se agachava,
pulava e gesticulava
com afanosa presteza.

Há empregos, com franqueza,
nem haviam de existir.
A um tipo de mãos nojentas
que aos berros sobressaía
gritando frases violentas,
focou-o mesmo nas ventas
no momento em que caía.

Mas o melhor não foi isso.
O melhor foi uma velhota
que pôs tudo em rebuliço.
Rápida como um rastilho,
em convulsivos soluços,
foi estatelar-se de bruços
sobre o corpo do seu filho.

«Meu menino, meu menino!
Valha-me a Virgem Maria!
Que vai ser o meu destino
sem a tua companhia?!

Mataram-me o meu menino!
Filho do meu coração!
Que vai ser o meu destino
sem a tua protecção?!»

Nunca uma cena de horror,
Uma tragédia tão viva,
tão grande e expressiva dor,
alguém teve ao seu dispor
defronte duma objectiva.

Era uma face crispada,
um olhar perdido e louco,
uma boca de xarroco
em lágrimas ensopada.

Foi uma sorte, realmente.
Um desses casos notáveis,
bestiais e formidáveis
que acontecem raramente.

Aquelas faces crispadas
correram pelo mundo inteiro
nas revistas ilustradas,
em tiragens esgotadas
que deram muito dinheiro.

Com aquele sentido humano
da justiça e da harmonia,
o repórter todo ufano,
ganhou o prémio do ano
da melhor fotografia.

António Gedeão.

(Máquina de fogo, 1961)

domingo, 24 de janeiro de 2010

Paco Ibañez - "Es Amarga La Verdad"

Paco Ibañez - "Vendrá la muerte y tendrá tus ojos"

Paco Ibañez -" Lo que puede el Dinero"

Natália Correia.


Queixa das almas
jovens censuradas

Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
E um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola.

Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma duma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade.

Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência.

Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro.

Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.

Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo.

Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios, despovoados
De personagens do assombro.

Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco.
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco.

Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.

Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante.

Dão-nos um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino.

Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida. Nem é a morte.

Natália Correia
(Dimensão Encontrada,1957)

sábado, 23 de janeiro de 2010

FMI José Mário Branco Parte II.

FMI José Mário Branco. Parte I

Joaquim Manuel Brites Moita


(Foto Fel de Cão)
Joaquim Manuel Brites Moita nasceu a 16 de Janeiro de 1938. Desde 06/09/2000 que vive no Lar S.João Vilarense em Vilar dos Prazeres - Ourém. Homem de fino trato e de cultura passa o tempo a pintar,escrever,fazer esculturas,ler,ouvir música (desde a música clássica à música popular. Aqui fica um poema de sua autoria.

POEMA.

É de bisturi firme na mão
que o cirurgião
corta o corpo doente
fígado,pâncreas,baço
vai firme seu traço.
Talha e retalha
até que no interstício
de um tecido
encontra a célula maligna
que atormenta
destrói a célula.
Está salvo o doente
e a vida segue em frente.
Triunfante.


Joaquim Manuel Brites Moita.

Miguel Torga

(Foto Fel de Cão)
Arritmia

A vida é lenta quando a morte tem pressa.
Faço ao corpo a promessa
De que vai acabar em breve o sofrimento
Que o turtura.
Mas , da sua clausura,
O coração,
Na cega obsessão
Com que nasceu,
Diz que não, diz que não,
A baralhar o tempo em cada pulsação
como um relógio que endoideceu.


Coimbra 6 de Janeiro de 1991
Miguel Torga

Serguei Eisenstein.


Serguei Esenstein, um dos maiores cineastas de sempre, nasceu em Riga a 23 de Janeiro de 1898 e morreu em Moscovo em em 11 de Fevereiro de 1948. De entre os seus, imortais, filmes saliento "O Couraçado de Potemkim","A Greve", "Alexandre Nevski" "Que Viva México" e "Ivan o Terrível" que deixou inacabado. Recordo, com saudade, o dia em que vi,pela primeira vez, "O Couraçado de Potemkim" que foi filmado em 1925...Foi no velho Ateneu de Leiria num dia,entre 25 e 30 de Abril de 1974. Estava na tropa no R.I.7....outros tempos!

Sergei Eisenstein nasceu a 23 de Janeiro de 1898.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Francisco José Viegas


SE ME COMOVESSE O AMOR

Se me comovesse o amor como me comove
a morte dos que amei, eu viveria feliz. Observo
as figueiras, a sombra dos muros, o jasmineiro
em que ficou gravada a tua mão, e deixo o dia

caminhar por entre veredas, caminhos perto do rio.
Se me comovessem os teus passos entre os outros,
os que se perdem nas ruas, os que abandonam
a casa e seguem o seu destino, eu saberia reconhecer

o sinal que ninguém encontra, o medo que ninguém
comove. Vejo-te regressar do deserto, atravessar
os templos, iluminar as varandas, chegar tarde.

Por isso não me procures, não me encontres,
não me deixes, não me conheças. Dá-me apenas
o pão, a palavra, as coisas possíveis. De longe.

Francisco José Viegas
(Se me comovesse o amor,2007)

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Fiama Hasse Pais Brandão morreu a 19 de Janeiro de 2007.


Estrada de Fogo

Pedra a pedra a estrada antiga
sobe a colina, passa diante
de musgosos muros e desce
para nenhum sopé;

encurva, na abstracta encruzilhada;
apaga-se, na realidade. Morre
como o rastilho do fogo,
que de campo em campo aberto

seguia, e ao bater na mágica cancela
dobrava a chama, para uma respiração,
e deixava o caminho do portal
incólume e iniciado.

Fiama Hasse Pais Brandão, in "Três Rostos - Ecos"

Elis Regina morreu a 19 de Janeiro de 1982.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Manuel da Fonseca.


Antes que seja tarde

Amigo
tu que choras uma angústia qualquer
e falas de coisas mansas como o luar
e paradas
como as águas de um lago adormecido,
acorda!
Deixa de vez
as margens do regato solitário
onde te miras
como se fosses a tua namorada.
Abandona o jardim sem flores
desse país inventado
onde tu és o único habitante.
Deixa os desejos sem rumo
de barco ao deus-dará
e esse ar de renúncia
às coisas do mundo.
Acorda, amigo,
liberta-te dessa paz podre de milagre
que existe
apenas na tua imaginação.
Abre os olhos e olha
abre os braços e luta!
Amigo,
antes da morte vir
nasce de vez para a vida.

Manuel da Fonseca.

Rudyard Kipling morreu a 18 de Janeiro de 1936.


SE...

Se podes conservar o bom senso e a calma
Num mundo a delirar, para quem o louco és tu.
Se podes crer em ti com toda a força da alma
Quando ninguém te crê. Se vais faminto e nu
Trilhando sem revolta um rumo solitário.
Se à torpe intolerância, se à negra incompreensão,
Tu podes responder subindo o teu calvário
Com lágrimas de amor e bênçãos de perdão.
Se podes dizer bem de quem te calunia,
Se dás ternura em troca aos que te dão rancor
Mas sem a afectação de um santo que oficia,
Nem pretensões de sábio a dar lições de amor.
Se podes esperar sem fatigar a esperança,
Sonhar, mas conservar-te acima do teu sonho,
Fazer do pensamento um arco de aliança
Entre o clarão do inferno e a luz do céu risonho.
Se podes encarar com indiferença igual
O triunfo e a derrota, eternos impostores!
Se podes ver o bem oculto em todo o mal
E resignar sorrindo ao amor dos teus amores.
Se podes resistir à raiva e à vergonha
De ver envenenar as frases que disseste
E que um velhaco emprega eivadas de peçonha
Com falsas intenções que tu!... jamais lhe deste!
Se podes ver por terra as obras que fizeste,
Vaiadas por malsins, desorientando o povo,
E sem dizeres palavra e sem um termo agreste
Voltares ao princípio para construir de novo.
Se puderes obrigar o coração e os músculos
A renovar um esforço há muito vacilante,
Quando no teu corpo já afogado em crepúsculos
Só exista a vontade a comandar – Avante!
Se vivendo entre o povo és virtuoso e nobre,
Se vivendo entre os reis conservas a humildade
Se inimigo ou amigo, poderoso ou pobre,
São iguais para ti à luz da eternidade.
Se quem conta contigo encontra mais que a conta,
Se podes empregar os sessenta segundos
De cada minuto que passa em obra de tal monta
Que o minuto se espraia em séculos fecundos.
Então, ao ser sublime o mundo inteiro é teu!
Já dominaste os reis, os templos, os espaços,
Mas ainda para além um novo sol rompeu
Abrindo o infinito ao rumo dos teus passos.
Pairando numa esfera acima deste plano
Sem recear jamais que os erros te retomem,
Quando já nada houver em ti que seja humano,
Alegra-te meu filho... Então serás um HOMEM!

Rudyard Kipling.

Haiti "A Foto fala por si"


(Foto de Gerald Herbert/Associated Press)

domingo, 17 de janeiro de 2010

António Aleixo.


Quadra.


Entra sempre com doçura
A mentira, pr’a agradar;
A verdade entra mais dura,
Porque não quer enganar.

(António Aleixo)

Egito Gonçalves


(Foto no Haiti)
Por algum motivo as lágrimas descem...



Por algum motivo as lágrimas descem
até à boca.
Mastiga-se o sabor, entra
no sangue o sal,
em vida se transforma, é
sulco que a dor abre, fertiliza,
aberta linha de semeadura onde
poderá surgir um bosque,
uma cidade, uma injustiça...

É o gosto da dor
que vitaliza, acende o palpitar
no coração que sobe à superfície.

Descem até à boca
por algum motivo as lágrimas.


Egito Gonçalves
(O Fósforo na Palha)

Santana / Cavaco.

(Caricatura de Paulo Araújo)
Lamento muito mas na próxima 3ªfeira não vou trabalhar...Para mim é como se fosse dia de Carnaval. Vou a Lisboa ver o Cavaco a condecorar,muito justamente, o Santana. Já andava com saudades dos dois. Aproveito para os ver,e ver,a anedota do ano.

Hillary Clint.


Quando a prioridade é para tratar os feridos,socorrer os sepultados vivos,enterrar os mortos,matar a fome e a sede,ajudar em tudo, com tudo, e a todos...Quando não há lugar no aeroporto para os aviões com socorristas e material de toda a ordem...que vai esta "dama" fazer ao Haiti?

Miguel Torga morreu a 17 de Janeiro de 1995.


Requiem por mim


Aproxima-se o fim.
E tenho pena de acabar assim,
Em vez de natureza consumada,
Ruína humana.
Inválido do corpo
E tolhido da alma.
Morto em todos os órgãos e sentidos.
Longo foi o caminho e desmedidos
Os sonhos que nele tive.
Mas ninguém vive
Contra as leis do destino.
E o destino não quis
Que eu me cumprisse como porfiei,
E caísse de pé, num desafio.
Rio feliz a ir de encontro ao mar
Desaguar,
E, em largo oceano, eternizar
O seu esplendor torrencial de rio.


Miguel Torga
(Coimbra,10 de Dezembro de 1993)

sábado, 16 de janeiro de 2010

Torga.


Biografia


Temos todos um rio na lembrança,
E alguns é um rio inteiro a sua vida.
Um rio que não seca e não descansa,
E é uma força perdida
Entre montanhas de desconfiança.


Miguel Torga
(Linha do Douro,13 de Março de 1949)

Alentejo.


Canção para o Alentejo

Alentejo, Alentejo,
Vastidão de Portugal
Futuro, continental!
Terra lavrada, que vejo
A ser mar mas sem ter sal.

Ondas de trigo maduro
Onde mais ninguém se afoga:
Danças alegres da roga
Que vindima no meu Doiro
E vem colher o pão loiro
Da inteira fraternidade
Que falta a esta metade
De coração largo e moiro...

Miguel Torga
(Évora Monte,31 de Março de 1946)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Ruy Belo



MORTE AO MEIO-DIA

No meu país não acontece nada
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o céu consente
às casas com que o frio abre a praça

Dezembro vibra vidros brande as folhas
a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
que o mais zeloso varredor municipal
Mas que fazer de toda esta cor azul

que cobre os campos neste meu país do sul?
A gente é previdente cala-se e mais nada
A boca é pra comer e pra trazer fechada
o único caminho é direito ao sol

No meu país não acontece nada
o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente

E juntam-se na casa portuguesa
a saudade e o transístor sob o céu azul
A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
da velha lei mental pastilhas de mentol

Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?

Há neste mundo seres para quem
a vida não contém contentamento
E a nação faz um apelo à mãe,
atenta a gravidade do momento

O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz
pois a areia cresceu e a gente em vão requer
curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia

A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer

Ruy Belo
(Boca Bilingue,1966)

Alexandre O' Neill



Poema pouco original do medo

O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém o veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles

Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos

Sim
a ratos

Alexandre O'Neill
(Abandono Vigiado,1960)

Mário Dionísio


Solidariedade


Vamos, dêem as mãos.

Porquê esse ar de eterna desconfiança?
esse medo? essa raiva?
Porquê essa imensa barreira
entre o Eu e o Nós na natural conjugação do verbo ser?

Vamos, dêem as mãos.

Para quê esses bons-dias, boas-noites,
se é um grunhido apenas e não uma saudação?
Para quê esse sorriso
se é um simples contrair da pele e nada mais?

Vamos, dêem as mãos.

Já que a nossa amargura é a mesma amargura,
já que a miséria, para nós, tem as mesmas sete letras,
já que o sangrar de nossos corpos é o vergão da mesma chicotada,
fiquemos juntos,
sejamos juntos.
Porquê esse ar de desconfiança?
esse medo? essa raiva?

Vamos, dêem as mãos.


Mário Dionísio

Martin Luther King nasceu a 15 de Janeiro de 1929.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Miguel Torga.


Depoimento

De seguro,
Posso apenas dizer que havia um muro
E que foi contra ele que arremeti
A vida inteira.
Não. Nunca o contornei.
Nunca tentei
Ultrapassá-lo de qualquer maneira.

A honra era lutar
Sem esperança de vencer.
E lutei ferozmente noite e dia.
Apesar de saber
Que quanto mais lutava mais perdia
E mais funda sentia
A dor de me perder.

Miguel Torga
(Coimbra 15/02/1981)

Haiti

O Mestre Relojoeiro.


(Foto Zé Manuel Costa)

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Joaquim Pessoa


A todos e a cada um dos meus amigos.


Por um por todos por nenhum
faço o meu canto canto a minha mágoa
num desencanto aberto pelo gume
deste pranto tão limpo como a água.

Por nenhum por todos ou por um
eu dou o meu poema o meu tecido
de palavras gravadas com o lume
do medo que na voz trago vencido.

Por nenhum por um mesmo por todos
sou a bala e o vinho sou o mesmo
que pisa as uvas os versos e o lodo
num chão onde a coragem nasce a esmo.

Joaquim Pessoa.

Franz Schubert -Serenade-

Carlos de Oliveira


SONETO


Acusam-me de mágoa e desalento,
como se toda a pena dos meus versos
não fosse carne vossa, homens dispersos,
e a minha dor a tua, pensamento.

Hei-de cantar-vos a beleza um dia,
quando a luz que não nego abrir o escuro
da noite que nos cerca como um muro,
e chegares a teus reinos, alegria.

Entretanto, deixai que me não cale:
até que o muro fenda, a treva estale,
seja a tristeza o vinho da vingança.

A minha voz de morte é a voz da luta:
se quem confia a própria dor perscruta,
maior glória tem em ter esperança.

Carlos de Oliveira

terça-feira, 12 de janeiro de 2010


Os olhos do poeta

O poeta tem olhos de água para reflectirem todas as cores do mundo,
e as formas e as proporções exactas, mesmo das coisas que os sábios desconhecem.
Em seu olhar estão as distâncias sem mistério que há entre as estrelas,
e estão as estrelas luzindo na penumbra dos bairros da miséria,
com as silhuetas escuras dos meninos vadios esguedelhados ao vento.
Em seu olhar estão as neves eternas dos Himalaias vencidos
e as rugas maceradas das mães que perderam os filhos na luta entre as pátrias
e o movimento ululante das cidades marítimas onde se falam todas as línguas da terra
e o gesto desolado dos homens que voltam ao lar com as mãos vazias e calejadas
e a luz do deserto incandescente e trémula, e os gestos dos pólos, brancos, brancos,
e a sombra das pálpebras sobre o rosto das noivas que não noivaram
e os tesouros dos oceanos desvendados maravilhando com contos-de-fada à hora da infância
e os trapos negros das mulheres dos pescadores esvoaçando como bandeiras aflitas
e correndo pela costa de mãos jogadas pró mar amaldiçoando a tempestade:
- todas as cores, todas as formas do mundo se agitam e gritam nos olhos do poeta.
Do seu olhar, que é um farol erguido no alto de um promontório,
sai uma estrela voando nas trevas
tocando de esperança o coração dos homens de todas as latitudes.
E os dias claros, inundados de vida, perdem o brilho nos olhos do poeta
que escreve poemas de revolta com tinta de sol na noite de angústia que pesa no mundo.


Manuel da Fonseca
(Rosa dos Ventos,1940)

Fernando Pessoa.

(Foto Fel de Cão)
Eu caminhava anónimo e distante.

Eu caminhava, anónimo e distante
Do que via e ouvia,
Quando, sem eu esperar, surgiu diante
Dessa minha apatia

Uma criança a rir e a correr
E a olhar para mim;
E despertei do enigma do meu ser
Como que num jardim…

Foi como se uma flor se destacasse
Ao meu olhar casual
E do seu sonho súbito o acordasse
E o tornasse normal.

Flor de ser pequenina! Como tudo
Quanto estava pensando
Se me volvia nitidamente mudo
Só de sentir-me olhando.

Riu, e deu pulos e ainda riu mais
E outra vez me olhou
E fez, com um adeus, grandes sinais
Àquilo que não sou.

Fernando Pessoa
(15-09-1934)

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Tomar Partido - Ary dos Santos.

René Assumpção.

Fui Traído pela memória... René Assumpção morreu a 8 de Janeiro de 2001. Em sua memória aqui fica um texto seu publicado no "Notícias de Ourém". Texto recuperado das cinzas,ainda quentes, do "Som da Tinta" e ai colocado por Sérgio Ribeiro. Até Sempre René.

Era Domingo e chovia.

As minhas desculpas ao distinto escritor e diplomata Dário Castro Alves por lhe ter roubado a ideia para titular esta crónica.
As minhas desculpas também aos meus leitores porque esta crónica vos falará... de quase coisa nenhuma.
Mas como ia dizendo, era Domingo e chovia. Preparando-se para o almoço, reuniam-se os convivas.
Um jovem, dois homens fortes (a palavra gorda incomoda-me) e um outro, que além de ser magro e usar barbas, era o dono da casa. Mulheres também as havia: uma arquitecta, que se espera venha a desempenhar papel relevante na história, e duas outras simpáticas convidadas.
A dona da casa, essa relampejava entre as panelas e a sala.
Sobre a mesa cintilava uma esplendorosa natureza morta, feita de pão de milho, queijo, rodelinhas de chouriço a azeitonas.
Assim a conversa decorria serena, fluída, quase líquida, já que um bom vinho de Pinhel, apesar de velho de alguns anos, mostrava sã e robusta compleição
Um dos presentes é infatigável viajante das palavras e das canções e, como os outros, viajantes interessados de países, de cultura e de gentes.
Não custa pois imaginar que de tudo se falasse. De gastronomia, pois claro, momento em que se produziu a mais espantosa declaração do dia e cuja reprodução como forma de obrigar o leitor a ler-me todo, guardei para o fim.
Mas também doutras culturas, do livro, da pintura, da música.
Entretanto aproveito para dizer que tinham já chegado estaladiças chamussas, enquanto da cozinha vinha um cheiro intenso, longínquo, oriental, de algo verdadeiramente exótico.
Atento - embora com uma parcimónia que me pareceu exagerada - o anfitrião ia servindo o tal vinho e a conversa não abrandou nem sequer quando foi servido o mítico sarapatel, prato com sabores do Índico
Nesse ponto já se chegara à inabalável convicção que era necessário inventar, desenhar, concretizar um espaço de encontro em Ourém.
Um espaço onde o livro fosse rei, mas onde a música, a pintura, a palavra, tivessem sempre lugar.
Um espaço pequeno mas ilimitável na sua função de criar convívio, estimular a troca de ideias, promover o gosto pelo livro a pela cultura em geral e onde, de vez em quando, aportasse um convidado, ilustre ou menos ilustre, que com os ourienses debatesse os mais variados assuntos.
E quando chegou a bebinca, finíssima sobremesa que Vasco da Gama, aportado em Melinde, provou e considerou - assim rezam crónicas antiquíssimas - mais preciosa que a noz moscada, a pimenta, e a canela que tão arduamente demandara, o projecto estava consolidado.
Determinara-se o local, relacionara-se os nomes, fixara-se as linhas orientadoras do projecto. Em breve Ourém irá ter um lugar diferente de encontro.
Lá fora chovia ainda e era Domingo, embora para todos nós aquele fosse um dia de sol e de esperança que inundasse toda a quadra onde nos encontrávamos.
Suspirámos fundo e lembrei-me então da frase mais relevante do dia, dita por um enciclopédico conhecedor de culinária, seguro e inabalável:
- Gosto do bicho da cereja, sabe a cereja.
Com homens como este, quem tem medo de embarcar em aventuras?
E pronto, amigo leitor. Dar-lhe-ei por certo mais notícias desta iniciativa.
Até à próxima se não for antes.

René Assumpção

Fausto - "Lembra-me um sonho Lindo"

Samba do Avião de Tom Jobim. (Para quem chega,de avião, ao Rio de Janeiro)

O Amola-tesouras

(Foto de Jorge Cordeiro)

domingo, 10 de janeiro de 2010

António Ramos Rosa




AQUI MEREÇO-TE


O sabor do pão e da terra
e uma luva de orvalho na mão ligeira.
A flor fresca que respira é branca.
E corto o ar como um pão enquanto caminho entre searas.
Pertenço em cada movimento a esta terra.
O meu suor tem o gosto das ervas e das pedras.
Sorvo o silêncio visível entre as árvores.
É aqui e agora o dilatado abraço das raízes claras do sono.
Sob as pálpebras transparentes deste dia
o ar é o suspiro dos próprios lábios.
Amar aqui é amar no mar,
mas com a resistência das paredes da terra


A mão flui liberta tão livre como o olhar.
Aqui posso estar seguro e leve no silêncio
entre calmas formas, matérias densas, raízes lentas,
ao fogo esparso que alastra no horizonte.
No meu corpo acende-se uma pequena lâmpada.
Tudo o que eu disser são os lábios da terra,
o leve martelar das línguas de água,
as feridas da seiva, o estalar das crostas,
o murmúrio do ar e do fogo sobre a terra,
o incessante alimento que percorre o meu corpo.
Aqui no grande olhar eu vejo e anuncio
as claras ervas, as pedras vivas, os pequenos animais,
os alimentos puros,
as espessas e nutritivas paredes do sono,
o teu corpo com todo o vagar da sua massa,
todo o peso das coisas e a ligeireza do ar.

Ao flexível volante trabalhado pelas seivas
a minha mão alia-se: bom dia, horizonte.

Uma saúde nova vai nascer destes ombros.
A lâmpada respira ao ritmo da terra.
Sei os caminhos de água pelas veredas,
as mãos das ervas finas embriagadas de ar,
o silêncio donde se ergue a torre do canto.

Abrem-se os novos lábios e eu mereço-te.
É este reino de insectos e de jogos,
das carícias que sabem a uma sede feliz.
Aqui entre o poço e o muro,
neste pequeno espaço de pedra cai um silêncio antigo:
uma infância inextinguível se alimenta
de uma fábula que renasce em todas as idades.
É aqui, minha filha, que dança a fada do ar
com seu brilho sedoso de erva fina
e a sua abelha silenciosa sobre a fronte.
É aqui o eterno recanto onde a água diz
a pura praia da infância.
Aqui bebe e bebe longamente
o hábito da tristeza no silêncio da vida,
aqui, ó pátria de água calada e de pão doce,
da fundura do tempo, da lonjura permanente,
aqui, bom dia, minha filha.


António Ramos Rosa
(A construção do Corpo,1969)

Alexandre O'Neill


TOMA LÁ CINCO!


Encolhes os ombros, mas o tempo passa...
Ai, afinal, rapaz, o tempo passa!

Um dente que estava são e agora não,
Um cabelo que ainda ontem preto era,
Dentro do peito um outro, sempre mais velho coração,
E na cara uma ruga que não espera, que não espera..

No andar de cima, uma nova criança
Vai bater no teu crânio os pequeninos pés.
Mas deixa lá, rapaz, tem esperança:
Este ano talvez venhas a ser o que não és...

Talvez sejas de enredos fácil presa,
Eterno marido, amante de um só dia...
Com clorofila ficam os teus dentes que é uma beleza!
Mas não rias, rapaz, que o ano só agora principia...

Talvez lances de amor um foguetão sincero
Para algum coração a milhões de anos-dor
Ou desesperado te resolvas por um mero
Tiro na boca, mas de alcance maior...

Grande asneira, rapaz, grande asneira seria
Errar a vida e não errar a pontaria...

Talvez te deixes por uma vez de fitas,
De versos de mau hálito e mau sestro,
E acalmes nas feias o ardor pelas bonitas
(Como mulheres são mais fiéis, de resto...)

Alexandre O'Neill
(No Reino da Dinamarca,1958)

Irlanda...Esta música está na moda.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Fernado Pessoa.


("Retrato de Fernando Pessoa" de Mário Botas)
A morte é a curva da estrada


A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
existir como eu existo.

A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu.
Tudo é verdade e caminho.

Fernando Pessoa.

Mahatma Gandhi


(Foto Fel de Cão "Algures no Alentejo" 21 de Junho de 2009)

Ó Sino da Minha Aldeia


Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.

E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho,
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.

Fernando Pessoa, "Cancioneiro"

Rigoberta Menchú Tum nasceu a 9 de Janeiro de 1959


Política e activista Guatemalteca,Prémio Nobel da Paz em 1992, Embaixadora da Boa Vontade da Unesco, Prémio Príncipe das Astúrias de Cooperação Internacional...Defensora dos Direitos Humanos e dos Indígenas onde isso não é fácil... Uma MULHER de "ARMAS".

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Teresa Salgueiro nasceu a 8 de Janeiro de 1969.

Galileu Galilei morreu a 8 de Janeiro de 1642.


Poema para Galileu

Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.

Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!

Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.

Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar- que disparate, Galileo!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação-
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.

Pois não é evidente, Galileo?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia?
Esta era a inteligência que Deus nos deu.

Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se tivesse tornado num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.

Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas- parece-me que estou a vê-las -,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e descrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai Galileo!
Mal sabem os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.

Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto incessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa do quadrado dos tempos.

António Gedeão

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Os Loucos Estão Certos.

Pablo Neruda.




Se não puderes ser um pinheiro, no topo de uma colina,
Sê um arbusto no vale mas sê
O melhor arbusto à margem do regato.
Sê um ramo, se não puderes ser uma árvore.
Se não puderes ser um ramo, sê um pouco de relva
E dá alegria a algum caminho.

Se não puderes ser uma estrada,
Sê apenas uma senda,
Se não puderes ser o Sol, sê uma estrela.
Não é pelo tamanho que terás êxito ou fracasso...
Mas sê o melhor no que quer que sejas.

Pablo Neruda

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Fernando Pessoa.


Não venhas sentar-se à minha frente, nem a meu lado

NÃO VENHAS sentar-te à minha frente, nem a meu lado;
Não venhas falar, nem sorrir.
Estou cansado de tudo, estou cansado,
Quero só dormir.

Dormir até acordado, sonhando
Ou até sem sonhar,
Mas envolto num vago abandono brando
A não ter que pensar.

Nunca soube querer, nunca soube sentir, até
Pensar não foi certo em mim.
Deitei fora entre urtigas o que era a minha fé,
Escrevi numa página em branco, "Fim".

As princesas incógnitas ficaram desconhecidas,
Os tronos prometidos não tiveram carpinteiro.
Acumulei em mim um milhão difuso de vidas,
Mas nunca encontrei parceiro.

Por isso, se vieres, não te sentes a meu lado, nem fales.
Só quero dormir, uma morte que seja
Uma coisa que me não rale nem com que tu te rales -
Que ninguém deseja nem não deseja.

Pus o meu Deus no prego. Embrulhei em papel pardo
As esperanças e ambições que tive,
E hoje sou apenas um suicídio tardo,
Um desejo de dormir que ainda vive.

Mas dormir a valer, sem dignificação nenhuma,
Como um barco abandonado,
Que naufraga sozinho entre as trevas e a bruma
Sem se lhe saber o passado.

E o comandante do navio que segue deveras
Entrevê na distância do mar
O fim do último representante das galeras,
Que não sabia nadar.

Fernando Pessoa
(28-08-1927 Poesias Inéditas)