terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Federico García Lorca


CIDADE SEM SONO

(Nocturno na ponte de Brooklin)



Ninguém dorme no céu. Ninguém, ninguém.
Não dorme ninguém.
As criaturas da lua cheiram e rondam as choupanas.
Virão iguanas vivas morder os homens que não sonham
e o que foge com o coração partido encontrará pelas esquinas
o incrível crocodilo imóvel sob o frouxo protestos dos astros.


Ninguém dorme no mundo. Ninguém, ninguém.
Não dorme ninguém.
Há um morto no cemitério mais longínquo
que se queixa há três anos
porque tem uma paisagem seca no joelho
e o menino que enterram esta manhã chorava tanto
que foi preciso chamar os cães para calá-lo.


A vida não é sonho. Alerta! Alerta! Alerta!
Caímos pelas escadas para comer a terra húmida
ou subimos ao gume da neve com o coro das dálias mortas.
Mas não há esquecimento nem sonho:
carne viva. Os beijos atam as bocas
num emaranhado de veias recentes
e a quem dói a sua dor doerá sem descanso
e o que teme a morte levá-la-á sobre os ombros.


Um dia
os cavalos viverão nas tabernas
e as formigas furiosas
atacarão os céus amarelos que se refugiam nos olhos das vacas.


Outro dia
veremos a ressurreição de mariposas dissecadas
e ainda, ao andar por uma paisagem de esponjas pardas e barcos mudos
veremos brilhar nosso anel e brotar rosas de nossa língua.
Alerta! Alerta! Alerta!
Aos que guardam ainda pegadas de garra e aguaceiro,
àquele rapaz que chora porque não sabe a invenção da ponte
ou àquele morto que já não tem mais que a cabeça e um sapato,
há que levá-los ao muro onde iguanas e serpentes esperam,
onde espera a mão mumificada do menino
e a pele do camelo se eriça com um violento calafrio azul.


Não dorme ninguém no céu. Ninguém, ninguém.
Não dorme ninguém.
Mas se alguém fecha os olhos,
chicoteai-o, meus filhos chicoteai-o!
Haja um panorama de olhos abertos
e amargas chagas acesas.
Não dorme ninguém pelo mundo. Ninguém, ninguém.
Já o disse.
Não dorme ninguém.
Mas se alguém de noite tem demasiado musgo nas têmporas,
abri os alçapões para ver sob a lua
as falsas taças, o veneno e a caveira dos teatros.

Federico García Lorca
(1898-1936)
Tradução de José bento.

1 comentário: