sexta-feira, 23 de outubro de 2015


 ALHEIO

Longo se faz o dia a quem não ama
e ele sabe-o. E ele ouve esse toque
breve e duro do corpo, sua alquebrada
canção, a soar sempre à lonjura.
Fecha a sua porta e fica bem fechada;
sai e, por um momento, os seus joelhos
deslizam para o solo. Mas a alvorada
com generosidade perigosa
refresca-o e levanta-o. Muito clara
está sua rua, ele vagueia, pés incertos,
e coxeia em seguida porque anda
só com sua fadiga. E diz ar:
palavras mortas com sua boca viva.
Prisioneiro por não querer, abraça
a sua própria solidão. E está seguro,
mais seguro que ninguém porque nada
possuirá; e ele bem sabe que nunca
viverá aqui, na terra. A quem não ama,
como podemos conhecer ou como
perdoar? Dia longo e ainda mais longa
a noite. Mentirá ao tirar a chave.
Entrará. E nunca habitará a sua casa.

Claudio Rodríguez
 (1934-1999)
In "Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea"
Tradução: José Bento

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