domingo, 25 de outubro de 2015

 ORDEM DO SONHO


Quando entrei a despedir-me dos âmbitos
a que já rendi meu adeus, não meu esquecimento,
a amada sombra estava a recortar-se,
qual negativo de uma antiga foto,
sobre leitosa luz de um dia que declina:
escura luz ou sombra iluminada,
símbolo, talvez, de uma terrível
desdita.
              Minha mão surpreendida,
que cria estar sozinha,
pôs luz no aposento, não na sombra,
nem no enigma que o tempo me abeirava
para apagar, com cada beijo sábio,
uma dor.
              Já passados, não posso recordá-los.
De mim partiram suas ocasiões, seus nomes.
Só falam em mim suas vozes confundidas.
E nem isso, por vezes: um vento que se afasta
entre o bater do mar, neve a cair.
             Através dos sonhos
o esquecimento abre passagem, os rancores
decaem, lentamente, como outono ante inverno.
A noite e suas preciosas criaturas
limpas de seu passado miserável;
salvas de elas mesmas, de mim mesmo,
de pé sobre outra terra: um paraíso.


Julia Uceda
(N: 1925)
In "Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea"
Trad. de José Bento.

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