BALADA DOS SUPLÍCIOS
«Pudesse eu recomeçar
e este caminho seguia...»
Uma voz fala das grades
sobre a futura alegria.
Na sua cela, dois homens
por essa noite comprida,
murmuravam-lhe: «Confessa.
Ou estás cansado da vida?
Podes viver como nós,
viver, viver anos vastos...
Uma só palavra, és livre...
e podes viver de rastos...»
- «Pudesse eu recomeçar
e este caminho seguia...»
A voz que sobe das grades
canta a futura alegria.
«Apenas uma palavra,
abre-se a porta e tu sais:
já o carrasco se some,
já acabaram teus ais!
Apenas uma mentira
para mudares o destino...
sonha, sonha, sonha
o claro sol matutino!»
«Disse o que tinha a dizer
como o Rei Henrique falo:
uma missa por Paris...
p'lo meu reino, um cavalo...
Nada a fazer.» E partiram!
Cobre-o já seu sangue quente!
Era o seu único triunfo:
saber morrer inocente!
Pudesse ele recomeçar
ia esta sorte escolher?
Diz a voz que vem das grades:
- «Torná-lo-ia a fazer.
Eu morro e tu, França, ficas,
meu refúgio e minha fé.
Ó meus amigos, se morro,
vós sabeis pelo que é!»
Vieram para o prender,
falavam em alemão.
Disse-lhe um: - «Queres-te render?»
Respondeu com decisão:
- «Pudesse eu recomeçar
queria esta sorte seguir...»
A voz que sobe das grades
fala aos homens do porvir.
- «Pudesse eu recomeçar
queria esta sorte seguir.
Mesmo carregado de ferros,
que cante em mim o porvir!»
E cantava sob as balas:
«... sangrento se levantou...»
Até que nova rajada
veio por fim e o tombou.
Mas outra canção francesa
já dos seus lábios se evade
acabando a Marselhesa
para toda a Humanidade!
Louis Aragon (1897-1982)
(tradução: Carlos de Oliveira)
(Colhido de "Os poemas da minha vida" de Urbano Tavares Rodrigues)
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