domingo, 11 de abril de 2010

José Hierro


CANÇÃO DE EMBALAR PARA ADORMECER UM PRESO


A gaivota sobre o pinhal.
(O mar ressoa.)
Aproxima-se o sono.Dormirás.
sonharás,mesmo sem querer.
A gaivota sobre o pinhal
gotejado de estrelas.

Dorme.Tens em tuas mãos
todo o azul da noite imensa.
Não há mais que sombra.Acima,a lua!
Peter Pan pelas alamedas.
Sobre veados de dorso verde
a menina cega.
Já és homem,já adormeces,
meu amigo,ea...

Amigo,dorme.Revoa um corvo
sobre a lua,que ele degola.
O mar está perto de ti,
morde tuas pernas.
Não é verdade que sejas homem;
és um menino que não sonha.
Não é verdade que sofreste:
são contos tristes que te contam.
Dorme.Que a sombra toda é tua,
meu amigo,ea...

És um menino que está sério.
Perdeu o riso e não o encontra.
Talvez tenha caído ao mar,
e engoliu-o uma baleia.
Amigo,dorme,que te embalem
campainhas e pandeiretas,
flautas de cana de som vago
amanhecidas entre a névoa.

Não é verdade que a alma te pese.
A alma é ar e fumo e seda.
A noite é vasta.Tem espaços
para voar por onde queiras,
para chegar à alva e ver
as águas frias que despertam,
as rochas pardas como o elmo
que levavas para a guerra.
A noite é vasta,dorme,amigo,
meu amigo,ea...

A noite é bela,bela e nua,
não possui grades nem fronteiras.
Não é verdade que sofreste,
são contos tristes que te contam.
És um menino que está triste,
és um menino que não sonha.
E a gaivota está à espera
para chegar quando adormeças.
Dorme,já tens em tuas mãos
todo o azul da noite imensa.
Amigo,dorme...
Já está a dormir
o meu amigo,ea...

José Hierro
(3/4/1922-21/12/2002)

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