domingo, 15 de junho de 2014

 DE AGORA EM DIANTE


Como depois de um sonho,
não acertaria
ao dizer em que instante aconteceu.
Chamavam.
Algo, já começado, não admitia espera.
Senti-me estranho no começo,
reconheço-o - tantos anos
que passaram, como se na lua…
Dizer exactamente o que buscava,
qual foi minha esperança, não consigo
dizê-lo agora,
porque num instante
determinado tudo vacilou: chamavam.
E senti-me próximo.
Um pouco de ar livre,
algo tão natural como um rumor
cresce se se escutar de repente.

Mas desde agora será o mesmo sempre.
Porque de súbito o tempo ficou cheio
e não dá para mais. Cada manhã
traz, como diz Auden, verbos irregulares
que é preciso aprender, ou decisões
custosas, e que aguardam exame.

Ainda
há quem conte comigo. Amigos meus,
ou melhor: companheiros, precisam,
querem o mesmo que eu quero,
e querem-me a mim também, tal
como eu me quero.

De modo que mal posso recordar
o que é feito de vários anos de minha vida,
ou aonde ia eu quando acordei
e não me vi sozinho.

Jaime Gil de Biedma
(1929-1990)
In "Antologia Poética"
Trad. de José Bento.


Sem comentários:

Enviar um comentário