O PAPÃO
Atrás da porta, erecto e rígido, presente,
Ele espera-me. E por isso me atrapalho,
E vou pisar, exactamente,
A sombra de Ele no soalho!
-"Senhor Papão!"
(Gaguejo eu)
"Deixe-me ir dar a minha lição!
"Sou professor no liceu..."
Mas o seu hálito
Marcou-me, frio como o tacto duma espada.
E eu saio pálido,
Com a garganta fechada.
Perguntam-me, lá fora: "Estás doente?"
- "Não!", (grito-lhes)... "porquê?!" E falo e rio, divertindo-me.
Ora o pior é que há palavras em que paro, de repente,
E que me doem, doem, doem..., prolongando-se e ferindo-me...
Então, no ar,
Levitando-se, enorme, e subvertendo tudo,
Ele faz frio e luz como um luar...
E ouço-lhes o riso mudo.
- "Senhor Papão!"
(Gaguejo eu) "por quem é,
"Deixe-me estar aqui, nesta reunião,
"Sentadinho, a tomar o meu café...!"
Mas os mínimos gestos e palavras do meu dia
Ficaram cheios de sentido.
Ter de mais que dizer..., ah, que maçada e que agonia!
Bem natural que eu seja repelido.
Fujo. E na minha mansarda,
Volvo-lhe: - "Senhor Papão!
"Se é o meu Anjo-da-Guarda,
"Guarde-me!, mas de si! da vida não."
O seu olhar, então, fuzila como um facho.
Suas asas sem fim vibram no ar como um açoite...
E até no leito em que me deito o acho,
E nós lutamos toda a noite.
Até que, vencido, ímbele
Ante o esplendor da sua face,
De repente me prostro, e beijo o chão diante de Ele,
Reconhecendo o seu disfarce.
E rezo-lhe: - "Meu Deus! perdão...: Senhor Papão!
"Eu não sou digno desta guerra!
"Poupe-me à sua Revelação!
"Deixe-me ser cá da terra!"
Quando uma súbita viragem
Me faz ver (truque velho!...)
Que estou em frente do espelho,
Diante da minha imagem.
José Régio
(1901-1969)
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