domingo, 17 de julho de 2011

Mário de Sá Carneiro


CANÇÃO DE DECLÍNIO


Atapetemos a vida
Contra nós e contra o mundo.
- Desçamos panos de fundo
A cada hora vivida.

Desfiles, danças - embora
Mal sejam uma ilusão.
- Cenários de mutação
Pela minha vida fora!

Quero ser Eu plenamente:
Eu, o possesso do Pasmo.
- Todo o meu entusiasmo,
Ah! que seja o meu Oriente!

O grande doido, o varrido,
O perdulário do Instante -
O amante sem amante,
Ora amado ora traído...

Lançar as barcas ao Mar -
De névoa, em rumo de incerto...
- P'ra mim o longe é mais perto
Do que o presente lugar.

...E as minhas unhas polidas -
Ideia de olhos pintados. . .
Meus sentidos maquilhados :
A tintas desconhecidas...

Mistério duma incerteza
Que nunca se há-de fixar...
Sonhador em frente ao mar
Duma olvidada riqueza...

- Num programa de teatro
Suceda-se a minha vida:
Escada de Giro descida
Aos pinotes, quatro a quatro!...

(Paris,1915)

Mário de Sá Carneiro
(1890-1916)
In "A Poesia da Presença"
de Adolfo Casais Monteiro.

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