quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Eugénio de Andrade


OS OLHOS RASOS DE ÁGUA


Cansado de ser homem durante o dia inteiro
chego à noite com os olhos rasos de água.
Posso então deitar-me ao pé do teu retrato,
entrar dentro de ti como num bosque.


É a hora de fazer milagres:
posso ressuscitar os mortos e trazê-los
a este quarto branco e despovoado,
onde entro sempre pela primeira vez,
para falarmos das grandes searas de trigo
afogadas na luz do amanhecer.


Posso prometer uma viagem ao paraíso
a quem se estender ao pé de mim,
ou deixar uma lágrima nos meus
olhos ser toda a nostalgia das areias.


É a hora de adormecer na tua boca,
como um marinheiro num barco naufragado,
o vento na margem das espigas.

Eugénio de Andrade

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