Poema
estes homens
abrem as portas
do sol nascente
conhecem os íntimos latejos
da cal as soltas águas
os fermentos as uvas
os cílios discretos do pão
amam as urzes e as fontes
o suor dos fenos
a febre moira de um corpo
de mulher
estes homens
partem a pedra
com martelos de solidão
(os olhos abismados
nos goivos
da lonjura)
erguem as paredes
as janelas crepusculares
as esfaimadas antenas das cidades:
céu de cimento; baba remota
do cansaço
estes homens
tamisam as cores; viajam nos navios
pescam no cisco as pérolas
do vidro
são garimpeiros
de uma esponja
de coral
moldam nas forjas
as sílabas secretas
do ferro
afeiçoam os seixos e o linho
o bafo marítimo
das palavras
estes homens
dizem casa com dezembro
nas veias
ternura com a sede de uma seara
grávida
assobiam comovidos contra as sombras
trazem na algibeira
o trevo rugoso das cantigas
estes homens
guardadores de cabras
e de mágoas
de espantos e revoltas
seres emigrantes
contrabandistas
soldados andarilhos do mar
carabineiros da má sorte
trepadores das sete colinas
operários
azeitoneiros
ratinhos
levantam por maio
os cantis do lume: voz de musgo
concha entreaberta
estes homens
(pátria viva; horizonte
de prata
à flor da bruma)
modelam nos andaimes
do tempo
o oiro (medular)da
liberdade
José Manuel Mendes
(Os Dias do Trigo,1980)
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