quarta-feira, 8 de julho de 2015



NOSSA SENHORA DA APRESENTAÇÃO

O altar as vagas,
O dossel a espuma!
Missas rezadas pelo vento,
ora pelos fiéis defuntos que se foram
noutras vagas,
ora pelas barcaças que, uma a uma,
buscaram as sereias na distância
e se foram com elas.
Sobre o altar, entre círios, que não são
Os círios murchos das igrejas velhas
Mas os lumes das estrelas,
ELA,
Nossa Senhora da Apresentação.
aquela
que não tem mantos da cor do céu,
nem fios de oiro nos cabelos,
nem anéis nos dedos;
aquela
que não traz um menino nos seus braços
porque os seios mirraram
e já não têm pão para lhe dar;
aquela
que tem o corpo negro e sujo
e os ossos a saltar
da pele
e dos rasgões da saia e do corpete;
Nossa Senhora da Apresentação
da Beira-Mar,
que tem capelas
em cada peito de marinheiro,
que morre e, num instante,
se renova
e que anda
quer nos engaços do sargaceiro
ou nas gamelas do pilado
e palhabotes da Terra Nova.
Aquela
a quem todos adoram.
Dos meninos
feitos no intervalo das campanhas
aos bichanos que limpam de cabeças,
e tripas de pescado
as muralhas do cais.

O dossel a espuma.
O altar as vagas
─ e que altar enorme! ─
Entre círios de estrelas,
Nossa Senhora da Apresentação
e Justificação
─ a Fome!

Álvaro Feijó
(1916-1941)

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