sábado, 4 de julho de 2015

 UMA GENTE



Uma gente em fuga de outra gente,
num país debaixo do sol
e de algumas nuvens.

Deixam para trás um tal seu tudo,
campos semeados, umas galinhas, cães,
espelhos, justamente nos quais o fogo se mira.

Levam às costas os cântaros e as trouxas,
quanto mais vazios mais pesados com o passar dos dias.

É em silêncio que alguém desfalece,
é na algazarra que alguém arranca o pão de alguém
e alguém sacode o filho morto.

Nunca é pela estrada que têm à frente,
nem é esta ponte
sob a qual passa um rio estranhamente avermelhado.
Em redor, disparos, ora longínquos ora próximos,
no alto, um avião errante rodopia.

Oportuna seria a invisibilidade,
uma parda rochosidade,
ou melhor a inexistência
durante um pouquinho ou por mais tempo.

Mais ainda está por acontecer, apenas onde eo quê.
 Alguém lhes sairá ao caminho, apenas quando e quem-
 de que forma e com que intenções.
Se puder escolher,
talvez não queira ser inimigo
e os deixe com alguma vida.

Wislawa Szymborska
(1923-2012) 
In "Instante"
 (Trad. Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves)

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