quinta-feira, 18 de setembro de 2014


 A VIDA DA MORTE


Ouvir chover não mais, sentir-me vivo;
o universo convertido em bruma
e em cima a consciência como espuma
por onde as compassadas gotas crivo.

Morto em mim tudo quanto seja activo,
enquanto toda a visão a chuva esfuma,
e lá em baixo a abismo em que se suma
da clepsidra a água; e o arquivo

desta memória, de lembranças mudo;
o ânimo saciado em inércia forte;
sem lança e por isso já sem escudo,

todo à mercê dos vendavais da sorte;
este viver, que é o viver desnudo,
- não é acaso já o viver da morte?

Miguel de Unamuno
(1864-1936)
Tradução: José Bento

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