domingo, 6 de fevereiro de 2011

Mário Dionísio


MEU GALOPE É EM FRENTE



Direis que não é poesia
e a mim que importa?

Eu canto porque a voz nasce e tem de libertar-se.
E grito porque respondo
às lanças que me espetam
e aos braços que me chamam
E porque, dia e noite, minhas mãos e meus olhos,
por estranhas telegrafias,
dos cantos mais ignotos
e das ilhas perdidas
e dos campos esquecidos
e dos lagos remotos,
e dos montes,
recebem longas mensagens e comunicações:
para que grite e cante.



O meu grito e meu canto é a voz de milhões.



Por isso que me importa?
Eu canto e cantarei o que tiver a cantar
e grito e gritarei o que tiver a gritar
e falo e falarei o que tiver a falar.



Direis que não é poesia.
E a mim que importa
se eu estou aqui apenas para escancarar a porta
e derrubar os muros?


E a mim que importa
se vós sois afinal o que hei-de ultrapassar
e esmigalhar
em nome
de todos os futuros?



Eu sigo e seguirei.
como um doido ou um anjo,
obstinado e heróico a caminho de nós
em palavras e acções
Por todos os vendavais
e temporais
e multidões
nos cantos mais ignotos
e nas ilhas perdidas
e nos campos esquecidos
e nos lagos remotos
e nos montes
– por terra, mar e ar.



Direis que não é poesia
e a mim que importa!
Convosco ou não, meu galope é em frente.
Pertenço a outra raça, a outro mundo, a outra gente.



É andar, é andar!

Mário Dionísio, 1943
(1916-1993)

Sem comentários:

Enviar um comentário