quinta-feira, 3 de junho de 2010

José Fanha


História de um Português qualquer.

Eu já dei a volta ao tecto
já comi muito caril
em Caracas fiz-me preto
em Dacar fiz-me imbecil
fui pedreiro e arquitecto
inventei o alfabeto
e exportei-o para o Brasil.

Nos baldões que a vida dá
de palhaço a sacristão
comprei ouro em Calcutá
vendi tudo em Mormugão
e emendei o alvará
para a filha do Ali-Babá
ter carta de condução.

Receitei muita mezinha
fui ceguinho, surdo e mudo
li a sina a uma rainha
e acertei em quase tudo
mas pisguei-me asinha asinha
numa lata de sardinha
forradinha de veludo.

De balão cheguei à China
ao Japão fui de trenó
aportei à Palestina
montado num Faraó
abusei da nicotina
experimentei a cocaína
viciei-me em pão-de-ló.

Pelas esquinas de Damasco
cantei tangos, viras, fados
em Moscovo abri um tasco
para ganhar alguns trocados
vendi secos e molhados
que eu para bem dos meus pecados
sigo em frente e não me enrasco.

Fui judeu na judiaria
escravo louco e espadachim
celebrei a eucaristia
ao passar por Bombaim
curei peste, lepra, azia
divulguei a telefonia
do Alasca até Pequim.

Fiz-me loiro, fui moreno
rei do rock entre sultões
mastiguei muito veneno
sofri ventos e monções
e por Cristo Nazareno
rebentei com o Sarraceno
na melhor das intenções.

Fui muitíssimo importante
numa mesa de café
estraçalhei um elefante
nas bolanhas da Guiné
fui soldado e comandante
naveguei no Campo Grande
naufraguei no Cais Sodré.

José Fanha

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