BALADA DA AMEIXA SECA
Vai à mercearia e compra ameixa seca.
P’ra o intestino a ameixa é levada da breca!
O mal do Ocidente – quem há que não o sinta? –
é não ter a tripa sempre limpa.
Com os seus altos valores, o Ocidente
dá por demais ao dente, dá por demais ao dente.
Põe-me os olhos nos povos que só comem arroz:
dão melhores guerrilheiros do que nós.
Um saquitel de arroz, uma biciclet’,
arma na bandoleira – e lá vai o viet.
“Noss’ povo”, ao contrário, come o que apanha à mão.
Até parece fome de muita geração!
E larga, já comido, o corpo em qualquer canto.
Sonha Terceiro Mundo e é Europa, entretanto.
Encostado ao sobreiro ou ao ficheiro,
“Noss’ povo” já nada tem de marinheiro.
Sua tripa, represa, é trabalhosa.
Sua prosápia já só é má prosa.
Portugal-do-casqueiro à Europa-das-latas
manda cortiça, vinho, diplomatas.
Espera contrapartidas: sol-e-vistas
é cartaz que atrai muitos turistas.
Mas com a ameixa seca – coisa pouca! –
é que pode acordar sem amargos de boca.
Vai à mercearia e compra ameixa seca.
P’ra o intestino a ameixa é levada da breca!
Alexandre O’Neill, As horas já de números vestidas (1981)
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