domingo, 25 de dezembro de 2011

Daniel Filipe


E DE NOVO A CIDADE...


E de novo a cidade ó ritmo esquecido
de estranhas convulsões cheiro de pecado visco
mãos esguias pedimos uma esmola negada
suave deslizar de carros inconcretos

E de novo a terrível sedução da manhã
o jeito da navalha no riso do playboy
a náusea pressentida o tem-de-ser agora
meu amor meu amor ver-nos-emos depois

E de novo a pastora na gravura da sala
o grito da ambulância o conto do vigário
o som da água corrente o choro da criança
tuas mãos distraídas preparando o almoço

E de novo a usura a promessa de emprego
a carta que não chega o anúncio interdito
o rosto seco e ardente frias salas de espera
vá passando por cá talvez tenha mais sorte

E de novo este pão não amassado de lágrimas
mas salgado de pranto mas comido com raiva
com desespero angústia tempero obrigatório
amargo condimento fel e raiz da esperança

Daniel Filipe
(1925-1964)
In "A Invenção do Amor e Outros Poemas"

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