PRANTO OPTIMISTA
Pois que de interrogar-se não descansa,
nem a quanto no mundo me rodeia,
na própria dor o sonho me põe esperança.
Pouco importa que a vida seja feia,
nalguma feia hora ocasional,
em que a razão, suspensa, se me enleia.
A interrogação é o essencial.
Resposta toda ela é passageira,
e como passageira apenas vale.
Assim, a noite espessa se aligeira
constantemente, embora nunca chegue
a alvorada última e primeira.
Porque é que a confusão então prossegue?
Como é que a confusão prossegue então,
se afirmação não há que se não negue?
Verdade é talvez só a negação,
motor e rumo máximo de tudo,
de tudo, ao mesmo tempo, fome e pão.
Nada espero do céu, visto que é mudo.
Do chão que piso é de o pisar que espero.
Aos mitos das suas vestes os desnudo.
Dos mais homens irmão me considero.
Irmão o considero o mais que existe.
Irmão o considero o que ouso ou quero.
Mas tal fraternidade em que consiste,
que significa, até onde me leva?
A consciência espreito, e fico triste.
À ciência me acolho e vejo treva,
para lá dos lampejos poderosos
dos subidos faróis a que se eleva.
Da arte os atractivos e os gozos
os meço agora como enganadores,
produto dos sentidos sequiosos.
Até da liberdade os desfavores
me doem menos, se medito nela,
se bem que teime em lhe tecer louvores.
Nem de outra ideia sei tão clara e bela.
Nem de outra norma sei tão exigente.
Nem de outra mágoa sei como não tê-la.
O meu caminho é o que tracei em frente.
E por ele prossigo, alheio aos perigos,
às fáceis seduções indiferente.
Guiam-me os passos, passos já antigos.
Chamam-me vozes de um destino novo.
Varro da mente crimes e castigos.
Ou é entre utopias que me movo?
Acaso se estará na pré-história
dos povos aspirando a um só povo.
Ou porventura seja o fim sem glória
que se avizinha, de uma humanidade
de que não reste nem sequer memória.
Já da explosão de crua impiedade
dos ódios desvairados da cobiça
se anuncia a geral esterilidade.
Já nem cabe chamar-se por justiça,
transformada a justiça em seu avesso,
desfeitos maus e bons na mesma liça.
Penso-o, e do orgulho à humildade desço.
O desespero acho-o vazio.
Tudo o antes precioso perde o preço.
Aceita, no entanto, o desafio,
meu forte coração inconformado.
Meu pensamento, aquece-me ao teu frio.
Só quem não tem esperança está errado.
Armindo Rodrigues
(1904-1993)