REGRESSO À MONTANHA.
Regresso
- nem triste nem alegre: receoso…
E o marulhar das ondas é o mesmo…
A mesma, a cor do Mar… A maresia
Tem sobre mim o mesmo sortilégio…
E o mato cheira como dantes… Fala
Comigo como dantes, reza, escuta…
E o perfil da Montanha, como dantes,
Adoça-se no escuro…
E a um canto da Noite, recolhido,
Mudo de tão feliz, o Adolescente…
Sebastião da Gama
(1924-1952)
In "Pelo Sonho é que Vamos"
domingo, 31 de agosto de 2014
É PRECISO AVISAR ...
É preciso avisar toda a gente
dar notícia informar prevenir
que por cada flor estrangulada
há milhões de sementes a florir
É preciso avisar toda a gente
segredar a palavra e a senha
engrossando a verdade corrente
duma força que nada detenha
É preciso avisar toda a gente
que há fogo no meio da floresta
e que os mortos apontam em frente
o caminho da esperança que resta
É preciso avisar toda a gente
transmitindo este morse de dores
É preciso imperioso e urgente
mais flores mais flores mais flores
João Apolinário
(1924-1988)
In "Morse de Sangue"
É preciso avisar toda a gente
dar notícia informar prevenir
que por cada flor estrangulada
há milhões de sementes a florir
É preciso avisar toda a gente
segredar a palavra e a senha
engrossando a verdade corrente
duma força que nada detenha
É preciso avisar toda a gente
que há fogo no meio da floresta
e que os mortos apontam em frente
o caminho da esperança que resta
É preciso avisar toda a gente
transmitindo este morse de dores
É preciso imperioso e urgente
mais flores mais flores mais flores
João Apolinário
(1924-1988)
In "Morse de Sangue"
OS INFINITOS ÍNTIMOS
Não me cinjas
a voz
não me limites
não me queiras
assim
antecipado
Eu não existo
onde me pensas
Eu estou aqui
agora
é tudo
____
Esta causa
Que me retoma
Em cada dia
Age na esperança
Em que respira
Esta necessidade
De estar vivo
____
No círculo
em que se fecha
o que em mim
respira
há um suicídio
de memórias
que não cabem
no que em mim
existe
____
Já fui longe de mais
matando-me nas pedras
que atiro contra mim
sentindo o que não sei
____
Há por aí alguém
que queira vir comigo
atrás do que seremos
quando tivermos sido?
____
O que resta de nós
Dorme a noite invisível
Que ainda nos sobra
____
O que me cansa
é o diabo da esperança
____
O que ficará de mim
nos restos digitais
do tempo
quando chegar
o fim
de que me ausento
João Apolinário
(1924-1988)
Não me cinjas
a voz
não me limites
não me queiras
assim
antecipado
Eu não existo
onde me pensas
Eu estou aqui
agora
é tudo
____
Esta causa
Que me retoma
Em cada dia
Age na esperança
Em que respira
Esta necessidade
De estar vivo
____
No círculo
em que se fecha
o que em mim
respira
há um suicídio
de memórias
que não cabem
no que em mim
existe
____
Já fui longe de mais
matando-me nas pedras
que atiro contra mim
sentindo o que não sei
____
Há por aí alguém
que queira vir comigo
atrás do que seremos
quando tivermos sido?
____
O que resta de nós
Dorme a noite invisível
Que ainda nos sobra
____
O que me cansa
é o diabo da esperança
____
O que ficará de mim
nos restos digitais
do tempo
quando chegar
o fim
de que me ausento
João Apolinário
(1924-1988)
TESTEMUNHA DE CINZA
Na rocha em que bate o mar
ou na casca seca dessa árvore,
no vento que uiva contra os vidros,
sobre o rasto da areia ou na terra mais dura,
no fumo que se desfaz nas tuas mãos,
escreve, escreve, como se ainda descobrisses as palavras.
Escreve para peles ou pedras,
para brancos cavalos, para aqueles olhos
que nunca para ti olharam e para que nunca tu olhaste.
Escreve sem orgulho, mas também sem falsa modéstia,
que não foi em vão a tua passagem pelo mundo.
Esquece depois tão estúpida frase
e olha o mar, as velas daquele barco
que vem resgatar-te, o seu paciente cabecear sobre as ondas,
as luzes que se reflectem na espuma.
E escreve - sobretudo - quando o vires afundar-se,
quando desaparecer como o sonho ou a bruma,
quando já não existir - sabemos que nunca existiu -
escreve e repete-o em voz alta para o surdo mar, para o céu longínquo.
Aprende assim, testemunha de cinza,
o final implacável do teu ilusório labor,
e então, sem teres dúvidas - que não trema a tua mão -
escreve, escreve, escreve, escreve.
Juan Luis Panero
(1942-2013)
Trad. de Joaquim Manuel Magalhães
Na rocha em que bate o mar
ou na casca seca dessa árvore,
no vento que uiva contra os vidros,
sobre o rasto da areia ou na terra mais dura,
no fumo que se desfaz nas tuas mãos,
escreve, escreve, como se ainda descobrisses as palavras.
Escreve para peles ou pedras,
para brancos cavalos, para aqueles olhos
que nunca para ti olharam e para que nunca tu olhaste.
Escreve sem orgulho, mas também sem falsa modéstia,
que não foi em vão a tua passagem pelo mundo.
Esquece depois tão estúpida frase
e olha o mar, as velas daquele barco
que vem resgatar-te, o seu paciente cabecear sobre as ondas,
as luzes que se reflectem na espuma.
E escreve - sobretudo - quando o vires afundar-se,
quando desaparecer como o sonho ou a bruma,
quando já não existir - sabemos que nunca existiu -
escreve e repete-o em voz alta para o surdo mar, para o céu longínquo.
Aprende assim, testemunha de cinza,
o final implacável do teu ilusório labor,
e então, sem teres dúvidas - que não trema a tua mão -
escreve, escreve, escreve, escreve.
Juan Luis Panero
(1942-2013)
Trad. de Joaquim Manuel Magalhães
sábado, 30 de agosto de 2014
OS DOIS ?
A noite é uma nuvem solitária,
só uma cor.
(E tu, e eu?)
A noite é uma brisa solitária,
um só ardor.
(E tu, e eu?)
A noite é uma água solitária,
só um fulgor.
(E tu, e eu?)
Penso nessa água, nessa brisa, nessa nuvem?
(E tu?)
Tu, nesse ardor, nessa cor, nesse fulgor?
(E eu?)
Juan Ramón Jiménez
(1881-1958)
Trad. de José Bento.
A noite é uma nuvem solitária,
só uma cor.
(E tu, e eu?)
A noite é uma brisa solitária,
um só ardor.
(E tu, e eu?)
A noite é uma água solitária,
só um fulgor.
(E tu, e eu?)
Penso nessa água, nessa brisa, nessa nuvem?
(E tu?)
Tu, nesse ardor, nessa cor, nesse fulgor?
(E eu?)
Juan Ramón Jiménez
(1881-1958)
Trad. de José Bento.
quinta-feira, 21 de agosto de 2014
NOS JARDINS, NA MODORRA EM QUE SE ALONGAM
Nos jardins,na modorra em que se alongam,
a cadência do passo marca o triste
e belo dia. Os que passam mondam
tudo o que neles em vão ainda insiste:
Rota a fachada! Morna, a tarde cai;
autómatos povoam a cidade.
(Só uma ronda de crianças vai
lavando a nódoa. Feliz idade.)
Que náusea isto me dá! Que calma vã
de que o pisar burguês todo se veste!
Cinza. Nada que a vida lhes aloire.
E o cheiro que incomoda a gente sã
e vem dos bairros pobres onde há peste...
- Mais sol! Bomba de sol que tudo estoire!
João José Cochofel
(1919-1982)
Nos jardins,na modorra em que se alongam,
a cadência do passo marca o triste
e belo dia. Os que passam mondam
tudo o que neles em vão ainda insiste:
Rota a fachada! Morna, a tarde cai;
autómatos povoam a cidade.
(Só uma ronda de crianças vai
lavando a nódoa. Feliz idade.)
Que náusea isto me dá! Que calma vã
de que o pisar burguês todo se veste!
Cinza. Nada que a vida lhes aloire.
E o cheiro que incomoda a gente sã
e vem dos bairros pobres onde há peste...
- Mais sol! Bomba de sol que tudo estoire!
João José Cochofel
(1919-1982)
terça-feira, 19 de agosto de 2014
NÃO ME DIGAS MAIS NADA.
Não me digas mais nada. O resto é a vida.
Sob onde a uva está amadurecida.
Moram meus sonos, que não querem nada.
Que é o mundo? Uma ilusão vista e sentida.
Sob os ramos que falam com o vento,
Inerte, abdico do meu pensamento.
Tenho esta hora e o ócio que está nela.
Levem o mundo: deixem-me o momento!
Se vens, esguia e bela, deitar o vinho
Em meu copo vazio, eu, mesquinho
Ante o que sonho, morto te agradeço
Que não sou para mim mais do que um vizinho.
Quando a jarra que trazes aparece
Sobre meu ombro e a sua curva desce
A deitar vinho, sonho-te, e, sem ver-te,
Por teu braço teu corpo me apetece.
Não digas nada que tu creias. Fala
Como a cigarra canta. Nada iguala
O ser um sonho pequeno entre os rumores
Com que este mundo.
A vida é terra e o vivê-la é lodo.
Tudo é maneira, diferença ou modo.
Em tudo quando faças sê só tu,
Em tudo quanto faças sê tu todo.
Fernando Pessoa
(1888-1935)
Não me digas mais nada. O resto é a vida.
Sob onde a uva está amadurecida.
Moram meus sonos, que não querem nada.
Que é o mundo? Uma ilusão vista e sentida.
Sob os ramos que falam com o vento,
Inerte, abdico do meu pensamento.
Tenho esta hora e o ócio que está nela.
Levem o mundo: deixem-me o momento!
Se vens, esguia e bela, deitar o vinho
Em meu copo vazio, eu, mesquinho
Ante o que sonho, morto te agradeço
Que não sou para mim mais do que um vizinho.
Quando a jarra que trazes aparece
Sobre meu ombro e a sua curva desce
A deitar vinho, sonho-te, e, sem ver-te,
Por teu braço teu corpo me apetece.
Não digas nada que tu creias. Fala
Como a cigarra canta. Nada iguala
O ser um sonho pequeno entre os rumores
Com que este mundo.
A vida é terra e o vivê-la é lodo.
Tudo é maneira, diferença ou modo.
Em tudo quando faças sê só tu,
Em tudo quanto faças sê tu todo.
Fernando Pessoa
(1888-1935)
RUDES E BREVES AS PALAVRAS PESAM
Rudes e breves as palavras pesam
mais do que as lajes ou a vida, tanto,
que levantar a torre do meu canto
é recriar o mundo pedra a pedra;
mina obscura e insondável, quis
acender-te o granito das estrelas
e nestes versos repetir com elas
o milagre das velhas pederneiras;
mas as pedras do fogo transformei-as
nas lousas cegas, áridas, da morte,
o dicionário que me coube em sorte
folheei-o ao rumor do sofrimento:
ó palavras de ferro, ainda sonho
dar-vos a leve têmpera do vento.
Rudes e breves as palavras pesam
mais do que as lajes ou a vida, tanto,
que levantar a torre do meu canto
é recriar o mundo pedra a pedra;
mina obscura e insondável, quis
acender-te o granito das estrelas
e nestes versos repetir com elas
o milagre das velhas pederneiras;
mas as pedras do fogo transformei-as
nas lousas cegas, áridas, da morte,
o dicionário que me coube em sorte
folheei-o ao rumor do sofrimento:
ó palavras de ferro, ainda sonho
dar-vos a leve têmpera do vento.
Carlos de OLIVEIRA
(1921-1981)
(1921-1981)
domingo, 17 de agosto de 2014
CÉU
O céu não existe.
Simples distância nua
onde o rumor da terra se reflecte
como o eco dum grito,
deves chamar angústia à lua
e a cada estrela um coração aflito.
Se acaso for o rastro
dalgum cometa errando
no esplendor de tanta solidão,
é o meu desespero.
Lembra-te de tudo o que mais quero
e não lhe chames astro.
Carlos de OLIVEIRA
(1921-1981)
In "Trabalho Poético"
O céu não existe.
Simples distância nua
onde o rumor da terra se reflecte
como o eco dum grito,
deves chamar angústia à lua
e a cada estrela um coração aflito.
Se acaso for o rastro
dalgum cometa errando
no esplendor de tanta solidão,
é o meu desespero.
Lembra-te de tudo o que mais quero
e não lhe chames astro.
Carlos de OLIVEIRA
(1921-1981)
In "Trabalho Poético"
TERRA DE NINGUÉM
Todos têm para mim o desprezo dos fortes,
todos têm para mim
o desprezo
dos que encontram na vida um caminho
- que muitas vezes não encontraram
mas julgaram encontrar.
Todos têm para mim o desprezo dos fortes,
todos têm para mim
o desprezo
dos que encontram na vida um caminho
- que muitas vezes não encontraram
mas julgaram encontrar.
Caminho
que pode ser o seu
mas é um caminho...
Eu
continuarei a perder-me nos horizontes largos,
a andar às cegas entre o mal e o bem...
que a minha terra
é Terra de Ninguém
João José Cochofel
(1919-1982)
In "Breve"
que pode ser o seu
mas é um caminho...
Eu
continuarei a perder-me nos horizontes largos,
a andar às cegas entre o mal e o bem...
que a minha terra
é Terra de Ninguém
João José Cochofel
(1919-1982)
In "Breve"
sábado, 16 de agosto de 2014
SÓ O CORAÇÃO VAI AO LEME
Só o coração vai ao leme
nas águas frias das minhas mágoas.
Só ele não teme
os remoinhos dessas águas.
- Olha! Se perguntarem por mim,
diz que não estou.
Fui de viagem,
a triste viagem em que triste vou!
Perdi quanto era ainda
o leite branco da infância.
Vou de largada,
eu com a minha ânsia.
João José Cochofel
(1919-1982)
Só o coração vai ao leme
nas águas frias das minhas mágoas.
Só ele não teme
os remoinhos dessas águas.
- Olha! Se perguntarem por mim,
diz que não estou.
Fui de viagem,
a triste viagem em que triste vou!
Perdi quanto era ainda
o leite branco da infância.
Vou de largada,
eu com a minha ânsia.
João José Cochofel
(1919-1982)
terça-feira, 5 de agosto de 2014
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