O HOMEM E O MAR
Homem livre, tu sempre adorarás o mar!
O mar é o teu espelho; a tua alma contemplas
Na sua ondulação, no infinito vaivém,
E o teu espírito é fosso não menos amargo.
Gostas de mergulhar na tua própria imagem;
Chegas mesmo a beijá-la, e o teu coração
Distrai-se algumas vezes do seu próprio som
Com o rumor dessa queixa indomável, selvagem.
Sois ambos, afinal, discretos, tenebrosos:
Homem, ninguém conhece os teus fundos abismos;
Ó mar, ninguém conhece os teus tesouros íntimos,
Tanto que sois dos vossos segredos ciosos!
E porém, desde sempre, há séculos inumeráveis,
Que os dois vos combateis sem piedade ou remorso,
De tal modo gostais da carnagem, da morte,
Ó lutadores eternos, irmãos implacáveis!
Charles Baudelaire
(1821-1867)
In "As Flores do Mal"
Trad. de Fernando Pinto do Amaral.
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