quarta-feira, 12 de agosto de 2015

  DOMINGO
 
 
 
A distância entre mim e o que me circunda,
sempre a repercutir-se nos meus gestos,
aflige-me e dói-me.

Olho para aquela rua vagamente,
olho em volta de mim neste café longínquo,
e todas as coisas não significam coisa alguma
e toda a gente tem escrita no rosto
quanta traição da vida!

Ah, que não consigo ser fraterno e integrar-me
e ser despreocupado e ignorante
do meu, do nosso drama...

Bem quisera esquecer-me e enlear-me
nas coisas fúteis, ingenuamente vis,
que alimentam o destino desta gente.
Mas olho para mim e sinto-me diferente,
amachucado pela lucidez duma intuição
que todas as tentativas para imiscuir-me 
não conseguem mais do que exacerbar.

Consola-me a certeza de que tudo isto é fictício,
e não me custa a renúncia, em troca deste contemplar
calado, discreto mas tumultuoso...
Lá fora há agitação e há bulício.
Paira sobre as coisas a inutilidade,
o frágil, o efémero...

(Chego às vezes a pensar que tudo não seja mais que representação.)

Cansado do espectáculo,
abandono esta mesa de café
e vou passear ilusões impossíveis,
até que a noite venha e eu recolha
à solidão do meu quarto
— mãos vazias e coração intranquilo.
 
 
Luís Amaro



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