quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Jorge Barbosa





CASEBRE

Foi a estiagem
E o silêncio depois

Nem sinal de planta
nem restos de árvore
no cenário ressequido da planície.

O casebre apenas
de pedra solta
e uma lembrança aflitiva



O tecto de palha
levou-o
a fúria do sueste.


Sem batentes
as portas e as janelas
ficaram escancaradas
para aquela desolação.


Foi a estiagem que passou.


Nesses tempos
não tem descanso
a padiola mortuária da regedoria.


Levou primeiro
o corpo mirrado da mulher
com o filho nu ao lado
de barriga inchada
que se diria
que foi de fartura que morreu.
O homem depois
com os olhos parados
abertos ainda.


Tão silenciosa a tragédia das secas nestas ilhas!
Nem gritos nem alarme
— somente o jeito passivo de morrer!


No quintal do casebre
três pedras juntas
três pedras queimadas
que há muito não serviram.


E o arco do ferro do menino
com a vareta ainda presa.

Jorge Barbosa
(1902-1971)
in "Líricas Portuguesas" 3ª série de Novembro de 1958.

Sem comentários:

Enviar um comentário