segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Luis Cernuda


SE O HOMEM PUDESSE DIZER

Se o homem pudesse dizer o que ama,
Se o homem pudesse levantar ao céu o seu amor
Como nuvem na luz;
Se, quais muros que se derrubam,
Para saudar a verdade erguida entre eles,
Pudesse derrubar o seu corpo, deixando só a verdade de seu amor,
A verdade de si mesmo,
Que não se chama glória, fortuna ou ambição,
Mas amor ou desejo,
Eu seria o que imaginava;
O que com sua língua, seus olhos, suas mãos
Proclama ante os homens a verdade ignorada,
A verdade doe seu amor verdadeiro.

Liberdade não conheço senão a liberdade de estar preso a alguém
Cujo nome não posso ouvir sem calafrios;
Alguém por quem me esqueço desta existência mesquinha,
Por quem o dia e a noite são para mim o que ele queira,
E meu corpo e espírito flutuam em seu corpo e espírito
Como troncos perdidos que o mar afoga ou ergue
Livremente, com a liberdade do amor,
A única liberdade que me exalta,
A única liberdade por que morro.

Tu justificas minha existência:
Se não te conheço, não vivi jamais;
Se morro sem conhecer-te, não morro, porque não vivi nunca.

Luis Cernuda, 1902-1963
Tradução de José Bento

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