quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Luiza Neto Jorge



ESTA CIDADE

O lugar de repouso
está por inventar
A cidade é morna
o rio vazio
nem o mar é filho do mundo
nem o mundo é mar
nem o meu corpo
um chapéu de ilusionar

A cidade é morna
o espaço baço
nem caem da face os olhos
nem se perde o braço



Na cidade
onde há a mais
a água e a sede
vamos na rede
como animais



Os sinais chegam
pelo mesmo aqueduto
Se a água é limpa
o sangue é bruto

Exacerbadamente
vejo que onde
estamos teremos
Já temos Tejo



Tão poucas folhas caídas a desoras
menos gente que ontem em sentido
contrário ao vôo das aves

Poucas camas desfeitas com o peso
da insónia
larvas e ovos de larvas dentro da boca

Tão pouca gente a sós com a vertigem
tão pouquíssima gente nas ruas
com o astro-rei a tombar
Estão em casa a jantar



Antes que nos cubra a pedra
por lavrar
antes que o lavrador perca
a partilha

um monumento exacto há
que erigir
entre a Batalha e a Bastilha


Luiza Neto Jorge, In "Os Sítios Sitiados"
(1939-1989)

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