A UM CAMARADA
Se me dás essa mão calosa e deformada,
Aperto-ta na minha, camarada.
Também, do meu labor, sou eu cativo,
E a tinta que me suja a mão é sangue vivo.
Também, na minha testa, há gotas de suor.
Gelado, o meu. Não sei se teu, pior.
Exausto, ao fim do dia, és uma simples besta
Que dorme; e a insónia, a mim, mais me regela a testa.
Com pedra, terra, cal, cimento, ferro, aço,
Povoas ou constróis cidades. O que eu faço
Não se vê tanto! é longe; é lá no escuro
Das teias do passado e do futuro.
Pedem-te os filhos pão, que após sofrer, lutar,
Nem sempre terás tu para lho dar.
E a mim, - canções, fervor, calor contra o seu frio;
E eu finjo encher a mão no coração vazio!
Teu nome, obscuro som, conhecem-no bem poucos.
Mas o meu, como os doutros que tais loucos,
Já sem sentido por demais ouvido,
Pregoam-no os jornais; - e é o dum desconhecido.
Talvez tu, auto-escravo fixo à terra,
Nunca erguesses o olhar ao céu, e ao que ele encerra.
Eu ergo-o; mas, daquela imensidão composta,
Recaio sobre mim num grito sem resposta.
Cumpre-se, em ambos nós, a velha praga...E em breve,
sobre ti, sobre mim, nos seja a terra leve.
Deixa-os, esses que odeiam, entre nós erguer a espada!
Dá-me a tua mão suja e honesta camarada.
José Régio
(1901-1969) in "A Chaga do Lado" (Sátiras e epigramas)
(Portugália Abril de 1956)
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