sábado, 25 de outubro de 2014

O SUOR.


No mar encontra a água seu paraíso ansiado
e o suor seu horizonte, seu fragor e plumagem.
O suor é um tronco transbordante e salgado,
uma onda selvagem.


Chega a idade do mundo mais remota
para oferecer à terra a fronde sacudida,
a sustentar a sede e o sal gota a gota,
a iluminar a vida.

Filho do movimento, primo do sol, irmão
da lágrima, deixa vagueando pelas eiras,
de abril a outubro, do inverno ao verão,
douradas trepadeiras.

Quando os camponeses vão de madrugada
empurrando o arado e fugindo ao repouso,
vestem uma blusa silenciosa e dourada
de suor silencioso.

Vestimenta de ouro dos trabalhadores,
que tanto adorna as mãos como as pupilas,
pela atmosfera espalha seus fecundos olores
uma chuva de axilas.

O sabor que há na terra melhora-se e madura:
do pranto laborioso e rescendente cai o mosto,
maná dos homens, maná da agricultura,
bebida do meu rosto.

Vós que nunca suastes, e que andais elegantes
num ócio sem braços, sem música, sem poros,
não usareis a coroa dos poros gotejantes
nem o poder dos touros.

Vivereis malcheirosos, morrereis apagados:
a formosura habita nas articulações
dos corpos que movem seus membros adestrados
como constelações.

Entregai ao trabalho, companheiros, a fronte:
que o suor, com sua espada de gostosos cristais,
com seus lentos dilúvios, vos fará transparentes,
venturosos, iguais.

Miguel Hernández
(1910-1942)
Tradução: José Bento

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