COMUNHÃO
Falo do sacramento do silêncio
Da muda eucaristia
Da vida,
Quando no mundo não havia ainda
Palavras
E ninguém profanava
A terra que pisava.
Falo da neve, sem qualquer imagem
A sujar-lhe a brancura.
E relembro a pureza
Do lobo a passeá-la sem ver,
Da muda eucaristia
Da vida,
Quando no mundo não havia ainda
Palavras
E ninguém profanava
A terra que pisava.
Falo da neve, sem qualquer imagem
A sujar-lhe a brancura.
E relembro a pureza
Do lobo a passeá-la sem ver,
À procura
da presa
Que há-de comer.
Falo do mar sem ninfas
E sem Camões.
Das estações
Do ano
Conhecidas apenas
Pela fúria do vento,
Pelo cheiro das flores,
Pelo gosto dos frutos
E pelo sono das folhas fatigadas
No alto travesseiro das ramadas.
Falo de tudo que não tinha nome,
E tem nome,
E queixo-me de ti, humana criatura,
Que dizes madrugada
De janela fechada,
E acreditas
Que o som da tua voz enclausurada
Traz o renovo de que necessitas.
da presa
Que há-de comer.
Falo do mar sem ninfas
E sem Camões.
Das estações
Do ano
Conhecidas apenas
Pela fúria do vento,
Pelo cheiro das flores,
Pelo gosto dos frutos
E pelo sono das folhas fatigadas
No alto travesseiro das ramadas.
Falo de tudo que não tinha nome,
E tem nome,
E queixo-me de ti, humana criatura,
Que dizes madrugada
De janela fechada,
E acreditas
Que o som da tua voz enclausurada
Traz o renovo de que necessitas.
Miguel Torga
(1907-1995)
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