sábado, 25 de dezembro de 2010

Jorge de Sena


OS PARAÍSOS ARTIFICIAIS


Na minha terra, não há terra, há ruas;
mesmo as colinas são de prédios altos
com renda muito mais alta.

Na minha terra, não há árvores nem flores.
As flores, tão escassas, dos jardins mudam ao mês,
e a Câmara tem máquinas especialíssimas para desenraizar as árvores.

Os cânticos das aves - não há cânticos,
mas só canários de 3º andar e papagaios de 5º.
E a música do vento é frio nos pardieiros.

Na minha terra, porém, não há pardieiros,
que são todos na Pérsia ou na China,
ou em países inefáveis.

A minha terra não é inefável.
A vida da minha terra é que é inefável.
Inefável é o que não pode ser dito.

(3/5/1947)

Jorge de Sena
(1919-1978)
in "Pedra Filosofal"
(1950)

1 comentário:

  1. Obrigado, amigo, pelos votos (que retribuo afectuosamente) e pelo serviço público poético em que continuas. Nunca desistas. Persiste!

    Abraço

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