segunda-feira, 10 de novembro de 2014


    POEMA DE AMOR.


    Os segredos do amor têm profundezas difíceis de alcançar,
    tal como a chuva que hoje cai e nos molha na calçada a face,
    nós olhando triste uma saudade imensa
    num corpo de mulher metamorfoseada.


    Sou demasiado são para me esquecer
    do tempo apaixonado que vivi nos teus braços
    e bebo no teu um coração meu
    adormecido no mar do meu cansaço
    ou no rio das minhas secas lágrimas.

    Tardará muito, se é que as horas contam,
    ver-te, de novo, perto de mim, longe,
    mas eu espero, sou paciente e, no meu canhenho, aponto,
    um dia a menos, o da tua chegada.
    E assim me fico, rente ao horizonte,
    abrigado da chuva numa cabine telefónica,
    e ligo para ti - que número? - ninguém responde
    do oceano que avança e retrai colinas,
    o vulto de um navio, tu na amurada
    acenando um lenço, ó minha pomba branca!...

    Como se tempestade houvesse e um naufrágio de chuva
    - as vidraças escorrem, as árvores liquefazem-se... -
    escurecendo os teus cabelos,
    ou, se preferes, a minha boca neles
    carregada de ilhas, de nocturnos perfumes
    que ateiam lumes, ó minha idolatrada,
    na minh'alma inquieta um outro bater d'asas
    ou num jardim um leito de flores!...

    Ruy Cinatti
    (1915-1986)

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