sábado, 17 de outubro de 2015




 JUÍZO FINAL


Eu pecador, artista do pecado,
comido pela ânsia até aos ossos,
eu, tropel de esperanças e fracassos,
escultura de dor, firma do vento.

Eu, pecador, enfim, desesperado
de sombras e de sonhos: eu confesso
que sou um homem em modo de falar-vos
da vida. Pequei. Não me arrependo.

Nasci para contar com estes lábios
que a morte varrerá um dia destes
as descidas mais esplêndidas a pique
daquele belo avião de carne e osso.

De asas para cima, arremessou os braços
fazendo alarde de tão alto invento;
penas de níquel; lentas, escrevei,
Ei-las aqui, fincadas neste solo.

Este é meu sítio. Meu terreno. Campo
de aterrar de minha ânsia. Céu
do avesso. Meu sítio e não o troco
por nenhum. Caí. Não me arrependo.

Ímpetos novos nascerão, mais altos.
Chegarei por meus pés - para que os quero? -
a pátria do homem: ao céu limpo
dessas sombras e dessas esperanças.

 Blas de Otero
(1916-1979)
Trad. de José Bento
In "Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea"

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