O INIMIGO
Foi medonha tormenta a minha mocidade,
Aqui e além cortada por brilhantes sóis;
A chuva e os trovões fizeram tais estragos
Que poucos frutos rubros no jardim me sobram.
E eis-me já em pleno outono das ideias,
quando é preciso usar os ancinhos e a pá
Pra arranjar outra vez a terra, após a cheia,
Onde a água escavou, quais tumbas, grandes valas.
E quem sabe se as flores que eu sonho, renovadas,
Poderão encontrar nessa areia lavada
O místico alimento que lhes dê vigor?
Ó dor! Ó minha dor! O tempo engole a vida,
E o que nos rói o peito, esse obscuro Inimigo,
Com o sangue que perdemos cresce e ganha força!
Charles Baudelaire
(1821-1867)
In "As Flores do Mal"
Trad. de Fernando Pinto do Amaral.
joan margarit / idade vermelha
Há 6 horas
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