NÃO ME DIGAS MAIS NADA.
Não me digas mais nada. O resto é a vida.
Sob onde a uva está amadurecida.
Moram meus sonos, que não querem nada.
Que é o mundo? Uma ilusão vista e sentida.
Sob os ramos que falam com o vento,
Inerte, abdico do meu pensamento.
Tenho esta hora e o ócio que está nela.
Levem o mundo: deixem-me o momento!
Se vens, esguia e bela, deitar o vinho
Em meu copo vazio, eu, mesquinho
Ante o que sonho, morto te agradeço
Que não sou para mim mais do que um vizinho.
Quando a jarra que trazes aparece
Sobre meu ombro e a sua curva desce
A deitar vinho, sonho-te, e, sem ver-te,
Por teu braço teu corpo me apetece.
Não digas nada que tu creias. Fala
Como a cigarra canta. Nada iguala
O ser um sonho pequeno entre os rumores
Com que este mundo.
A vida é terra e o vivê-la é lodo.
Tudo é maneira, diferença ou modo.
Em tudo quando faças sê só tu,
Em tudo quanto faças sê tu todo.
Fernando Pessoa
(1888-1935)
Não me digas mais nada. O resto é a vida.
Sob onde a uva está amadurecida.
Moram meus sonos, que não querem nada.
Que é o mundo? Uma ilusão vista e sentida.
Sob os ramos que falam com o vento,
Inerte, abdico do meu pensamento.
Tenho esta hora e o ócio que está nela.
Levem o mundo: deixem-me o momento!
Se vens, esguia e bela, deitar o vinho
Em meu copo vazio, eu, mesquinho
Ante o que sonho, morto te agradeço
Que não sou para mim mais do que um vizinho.
Quando a jarra que trazes aparece
Sobre meu ombro e a sua curva desce
A deitar vinho, sonho-te, e, sem ver-te,
Por teu braço teu corpo me apetece.
Não digas nada que tu creias. Fala
Como a cigarra canta. Nada iguala
O ser um sonho pequeno entre os rumores
Com que este mundo.
A vida é terra e o vivê-la é lodo.
Tudo é maneira, diferença ou modo.
Em tudo quando faças sê só tu,
Em tudo quanto faças sê tu todo.
Fernando Pessoa
(1888-1935)
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