quarta-feira, 9 de junho de 2010

Jorge de Sena


Epitáfio

De mim não buscareis, que em vão vivi
de outro mais alto que em mim próprio havia.
Se em meus lugares, porém, me procurardes
o nada que encontrardes
eu sou e minha vida.

Essas palavras que em meu nome passam
nem minhas nem de altura são verdade.
Verdade foi que de alto as desejei
e que de mim só maldições cobriam.
Debaixo delas a tradição se esconde,
porque demais me conheci distante
de alturas que de perto não existem.

Fui livre, como as águas que não sobem.
Pensei ser livre, como as pedras que caem.
O nada contemplei sem êxtase nem pasmo
que o dia a dia
em que me via
ele mesmo apenas era e nada mais.

Por isso fui amado em lágrimas e prantos
do muito amor que ao nada se dedica.
Nada que fui, de mim não fica nada.
E quanto não mereço é o que me fica.

Se em meus lugares, portanto, me buscardes
o nada que encontrardes
eu sou e minha vida.

Jorge de Sena
(8/1/1953)

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