quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Carlos Drummond de Andrade



A FREDERICO GARCIA LORCA

Sobre teu corpo, que há dez anos
se vem transfundindo em cravos
de rubra cor espanhola,
aqui estou para depositar
vergonha e lágrimas.

Vergonha de há tanto tempo
viveres – se morte é vida –
sob chão onde esporas tinem
e calcam a mais fina grama
e o pensamento mais fino
de amor, de justiça e paz.

Lágrimas de nocturno orvalho,
não de mágoa desiludida,
lágrimas que tão-só destilam
desejo e ânsia e certeza
de que o dia amanhecerá.

(Amanhecerá.)

Esse claro dia espanhol,
composto na treva de hoje
sobre teu túmulo há de abrir-se,
mostrando gloriosamente
- ao canto multiplicado
de guitarra, gitano e galo –
que para sempre viverão

os poetas martirizados.

Carlos Drummond de Andrade

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