SE AMANHÃ ACORDO
De súbito respira-se melhor e o ar da primavera
chega ao fundo. Mas foi somente um prazo
que o sofrimento concede para dizermos a palavra.
Ganhei um dia; tive o tempo
na minha boca como um vinho.
Costumo procurar-me
na cidade que passa como um barco de loucos pela noite.
Encontro um rosto apenas: homem velho e sem dentes
a quem a dinastia, o poder, a riqueza, o génio,
tudo lhe deram afinal, excepto a morte.
É um inimigo mais temível que Deus,
o sonho que posso ser se amanhã acordo
e sei que vivo.
Mas de súbito a alvorada
cai-me entre as mãos como uma laranja rubra.
Jorge Gaitán Durán
(1924-1962)
(Trad.: José Bento)
In"Rosa do Mundo 2001 Poemas Para o Futuro"
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