sábado, 20 de março de 2010
José Miguel Silva
A PORTUGUESA
De criadores de cabras e de naus
a bisonhos fabricantes de badalos
para sinos de betume, caro Georges,
anda ver o meu país de gazeteiros,
entre o pau que vai e vem,
infaustos foliões, de costas para o mar.
Anda ver estes Maneis, dobrados de avidez,
os dedos apertados por volantes suicidas,
abolidos entre fados, manivelas, promoções.
À porrada que lhes dão chamam-lhe futuro,
temem mais os livros do que a morte de um irmão
e colocam a cabeça mais a jeito do carrasco.
Das Marias só te conto a mania do verniz,
os derrames de perfume no altar da pequenez,
a vida cambiada pelo crédito de gritos.
Anda, caro Georges, anda ver e depois diz-me
se o pior da alma humana
vem ou não à superfície, como lodo,
quando séculos de pez e abulia são bulidos
por correntes de paixões bonificadas,
no caseiro leva-e-traz de catilinas ambições,
de razões inoculadas pelo gosto de morrer
cada dia um poucochinho.
José Miguel Silva
(in "Ulisses já não mora aqui")
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