sábado, 20 de março de 2010
José Manuel Mendes
Poema
estes homens
abrem as portas
do sol nascente
conhecem os íntimos latejos
da cal as soltas águas
os fermentos as uvas
os cílios discretos do pão
amam as urzes e as fontes
o suor dos fenos
a febre moira de um corpo
de mulher
estes homens
partem a pedra
com martelos de solidão
(os olhos abismados
nos goivos
da lonjura)
erguem as paredes
as janelas crepusculares
as esfaimadas antenas das cidades:
céu de cimento; baba remota
do cansaço
estes homens
tamisam as cores; viajam nos navios
pescam no cisco as pérolas
do vidro
são garimpeiros
de uma esponja
de coral
moldam nas forjas
as sílabas secretas
do ferro
afeiçoam os seixos e o linho
o bafo marítimo
das palavras
estes homens
dizem casa com dezembro
nas veias
ternura com a sede de uma seara
grávida
assobiam comovidos contra as sombras
trazem na algibeira
o trevo rugoso das cantigas
estes homens
guardadores de cabras
e de mágoas
de espantos e revoltas
seres emigrantes
contrabandistas
soldados andarilhos do mar
carabineiros da má sorte
trepadores das sete colinas
operários
azeitoneiros
ratinhos
levantam por maio
os cantis do lume: voz de musgo
concha entreaberta
estes homens
(pátria viva; horizonte
de prata
à flor da bruma)
modelam nos andaimes
do tempo
o oiro (medular)da
liberdade
José Manuel Mendes
(Os Dias do Trigo,1980)
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