FALAM OS HOSPITAIS:
Tossi, tossi, pulmões desfeitos,
Em vielas lôbregas sem ar!
Nos dormitórios faltam leitos...
Tossi, pulmões, nos largos peitos,
Tossi, que a Morte quer jantar!
Morrei de fome, no abandono,
Mendigos trôpegos, senis...
E invejai, não o rei no trono,
Mas os cães grandes que têm dono
E as feras más que têm covis!...
Loucos, d'olhar torvo d'assombros,
Brandindo em fúrias um bordão,
Farrapos trágicos nos ombros,
Por pinheirais, por entre escombros,
Uivai, uivai na escuridão!...
Lepras e cancros dissolventes,
Apodrecei nos tremedais...
Apodrecei, rangendo os dentes,
Medonhos monstros pestilentes,
Latrinas d'almas imortais!
E que essas almas, negra herança!
Se reproduzam com ardor
Em milhões d'almas de criança,
Rios de morte e de vingança,
Torrentes fúnebres de dor!
Rios de sangue miserando,
Maldito sangue de Caim,
Eternamente blasfemando,
E ao mar de vida derivando
Sempre! sem fim! sem fim! sem fim!...
Guerra Junqueiro
(1850-1923)
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