sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Mário Dionísio


A SEIVA OCULTA


Quantas vezes estremeço
e quantas vezes nasço
Quantas vezes desfaleço
e quantas vezes renasço


Julgo-me o fim desisto e sofro tudo negro
caem-me os braços magros ao longo dos pensamentos
canto a morte e o mistério e os requintes eternos

Mas logo uma energia insuspeitada vem dos longes
de mim mesmo
e aquece humanamente o coração
à beira de parar

Julgam-te morto e afinal,
é apenas o passo atrás que dás
para avançar

Milhões de forças claras sempre alerta
milhões de vozes fortes sempre à espreita
milhões de risos brancos sempre à espera
sob a capa lodosa dos aspectos da hora enegrecida

Maior que os deuses e que a sombra dos deuses
maior que o medo dos deuses
Homem
o teu destino é modelar os montes e soprar as nuvens
mudar o curso dos rios e o coração dos homens
para a vida

Quantas vezes estremeces
e quantas vezes nasces
Quantas vezes desfaleces
e quantas vezes renasces


Mário Dionísio
(1916-1993)
in "As Solicitações e Emboscadas"

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