quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Jorge de Sena


GLÓRIA


um dia se verá que o mundo não viveu um drama.
todas estas batalhas, todos estes crimes,
todas estas crianças que não chegaram a desdobrar-se em carne viva
e de quem, contudo, fizeram carne viva logo morta,
todos estes poetas furados por balas
e todos os outros poetas abandonados pelos que
nem coragem tiveram de matar um homem,
toda esta mocidade enganada e roubada
e a outra que morreu sabendo que a roubavam,
todo este sangue expressamente coalhado
à face íntegra da terra,
tudo isto é o reverso glorioso do findar dos erros.

um dia nos libertaremos da morte sem deixar de morrer.

Jorge de Sena
(6 de Abril de 1942)

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