segunda-feira, 31 de maio de 2010

Herberto Helder



No sorriso louco das mães


No sorriso louco das mães batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se soprando os dedos frios.
Seu corpo move-se
pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões
e orgãos mergulhados,
e as calmas mães intrínsecas sentam-se
nas cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado,
vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens,
enquanto o amor é cada vez mais forte.
E bate-lhes nas caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada vez mais belas.
Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e em baixo.
São silenciosas.
E a sua cara está no meio das gotas particulares
da chuva,
em volta das candeias. No contínuo
escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam
na combustão dos filhos. Porque
os filhos são como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos,
e atiram-se, através deles, como jactos
para fora da terra.
E os filhos mergulham em escafandros no interior
de muitas águas,
e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos
e na agudez de toda a sua vida.
E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,
e através dele a mãe mexe aqui e ali,
nas chávenas e nos garfos.
E através da mãe o filho pensa
que nenhuma morte é possível e as águas
estão ligadas entre si
por meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe que toca a mão pressentida do filho.
E por dentro do amor, até somente ser possível amar tudo,
e ser possível tudo ser reencontrado
por dentro do amor.

Herberto Helder

domingo, 30 de maio de 2010

Elis Regina - ROMARIA-

José Régio


Soneto quase inédito

Surge Janeiro frio e pardacento,
Descem da serra os lobos ao povoado;
Assentam-se os fantoches em São Bento
E o Decreto da fome é publicado.

Edita-se a novela do Orçamento;
Cresce a miséria ao povo amordaçado;
Mas os biltres do novo parlamento
Usufruem seis contos de ordenado.

E enquanto à fome o povo se estiola,
Certo santo pupilo de Loyola,
Mistura de judeu e de vilão,

Também faz o pequeno “sacrifício”
De trinta contos – só! – por seu ofício
Receber, a bem dele… e da nação.

JOSÉ RÉGIO – Soneto escrito em 1969, no dia de uma reunião de antigos alunos.

Serge Reggiani - La Liberte

Alexandre O'Neill


O Beijo

Congresso de gaivotas neste céu
Como uma tampa azul cobrindo o Tejo.
Querela de aves, pios, escarcéu.
Ainda palpitante voa um beijo.

Donde teria vindo! (Não é meu...)
De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
Mandado de captura ou de despejo?

É uma ave estranha: colorida,
Vai batendo como a própria vida,
Um coração vermelho pelo ar.

E é a força sem fim de duas bocas,
De duas bocas que se juntam, loucas!
De inveja as gaivotas a gritar...

Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca'

Charles Mingus - Boogie Stop Shuffle-

Tatuagem de Elis Regina / Chico Buarque / Rui Guerra

José Gomes Ferreira


VAI-TE POESIA!


Vai-te poesia!
Deixa-me ver friamente
a realidade nua
sem ninfas de iludir
ou violinos de lua.
Vai-te, Poesia!
Não transformes o mundo
descarnado e terrível
num céu de esquecer
com mendigos de nuvens
famintos de estrelas
e feridas a cheirarem a cravos
- enquanto os outros, os de carne verdadeira,
uivam em vão
a sua fome de cadeias
e de pão.
Vai-te, Poesia!
Deixa-me ver a vida
exacta e intolerável
neste planeta feito de carne humana a chorar
onde um anjo me arrasta todas as noites para casa pelos cabelos
com bandeiras de lume nos olhos,
para fabricar sonhos
carregados de dinamite de lágrimas.
Vai-te, Poesia!

José Gomes Ferreira

sábado, 29 de maio de 2010

Wislawa Szymborska


POSSIBILIDADES


Prefiro cinema.
Prefiro os gatos.
Prefiro os carvalhos nas margens do Warta.
Prefiro Dickens a Dostoievski.
Prefiro-me gostando dos homens em vez de estar amando a humanidade.
Prefiro ter uma agulha preparada com a linha.
Prefiro a cor verde.
Prefiro não afirmar que a razão é culpada de tudo.
Prefiro as excepções.
Prefiro sair mais cedo.
Prefiro conversar com os médicos sobre outra coisa.
Prefiro as velhas ilustrações listradas.
Prefiro o ridículo de escrever poemas ao ridículo de não os escrever.
No amor, prefiro os aniversários não redondos para serem comemorados cada dia.
Prefiro os moralistas, que não me prometem nada.
Prefiro a bondade esperta à bondade ingénua demais.
Prefiro a terra à paisana.
Prefiro os países conquistados aos países conquistadores.
Prefiro ter objecções.
Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem.
Prefiro os contos de fada de Grimm às manchetes de jornais.
Prefiro as folhas sem flores às flores sem folhas.
Prefiro os cães com o rabo não cortado.
Prefiro os olhos claros porque os tenho escuros.
Prefiro as gavetas.
Prefiro muitas coisas que aqui não disse, a outras tantas não mencionadas aqui.
Prefiro os zeros à solta a tê-los numa fila junto ao algarismo.
Prefiro o tempo dos insectos ao tempo das estrelas.
Prefiro isolar.
Prefiro não perguntar quanto tempo ainda e quando.
Prefiro levar em consideração até a possibilidade
do ser ter a sua razão.

Wislawa szymborska(Polónia)
Prémio Nobel em 1996
"In Rosa do Mundo 2001 Poemas para o Futuro"

Juan Manuel Serrat canta VENCIDOS de Leon Felipe

Patxi Andión / Samaritana

Adriano Correia de Oliveira / António Gedeão

Joaquim Pessoa


QUEM

Quem empunhou o machado
e cortou a flor de lume?

Quem fez o estranho noivado
das estrelas com o estrume?

Quem nada na maré falsa
com braços de maré cheia?

Quem quer a fome descalça
por causa de um pé de meia?

Quem traz a vida aos soluços
no gume de uma navalha?

Quem põe um homem de bruços
por dá cá aquela palha?

Quem da vida faz um fardo
e da mentira o exemplo?

Quem da rosa faz um cardo
no altar do nosso templo?

Quem é que se diz profeta
e é traidor na sua terra?

Quem é que fez da caneta
uma arma em pé de guerra?

Quem é que vende o meu povo
por interesse nacional?

Quem fez de Colombo um ovo
e descobriu Portugal?

Quem pretende que eu me cale
porque a poesia é perigosa?

Quem é que quer afinal
uma canção cor-de-rosa?

Joaquim Pessoa
"in 125 Poemas-Antologia Poética"

Joaquim Pessoa


POEMA TEMPERAMENTAL


Ó caralho! Ó caralho!
Quem abateu estas aves?
Quem é que sabe? quem é
que inventou a pasmaceira?
Que puta de bebedeira
é esta que em nós se vem
já desde o ventre da mãe
e que tem a nossa idade?
Ó caralho! Ó caralho!
Isto de a gente sorrir
com os dentes cariados
esta coisa de gritar
sem ter nada na goela
faz-nos abrir a janela.
Faz doer a solidão.
Faz das tripas coração.
Ó caralho! Ó caralho!
Porque não vem o diabo
dizer que somos um povo
de heróicos analfabetos?
Na cama fazemos netos
porque os filhos não são nossos
são produtos do acaso
desde o sangue até aos ossos.
Ó caralho! Ó caralho!
Um homem mede-se aos palmos
se não há outra medida
e põe-se o dedo na ferida
se o dedo lá for preciso.
Não temos que ter juízo
o que é urgente é ser louco
quer se seja muito ou pouco.
Ó caralho! Ó caralho!
Porque é que os poemas dizem
o que os poetas não querem?
Porque é que as palavras ferem
como facas aguçadas
cravadas por toda a parte?
Porque é que se diz que a arte
é para certas camadas?
Ó caralho! Ó caralho!
Estes fatos por medida
que vestimos ao domingo
tiram-nos dias de vida
fazem guardar-nos segredos
e tornam-nos tão cruéis
que para comprar anéis
vendemos os próprios dedos.
Ó caralho! Ó caralho!
Falta mudar tanta coisa.
Falta mudar isto tudo!
Ser-se cego surdo e mudo
entre gente sem cabeça
não é desgraça completa.
É como ser-se poeta
sem que a poesia aconteça.
Ó caralho! Ó caralho!
Nunca ninguém diz o nome
do silêncio que nos mata
e andamos mortos de fome
(mesmo os que trazem gravata)
com um nó junto à garganta.
O mal é que a gente canta
quando nos põem a pata.
Ó caralho! Ó caralho!
O melhor era fingir
que não é nada connosco.
O melhor era dizer
que nunca mais há remédio
para a sífilis. Para o tédio.
Para o ócio e a pobreza.
Era melhor. Com certeza.
Ó caralho! Ó caralho!
Tudo são contas antigas.
Tudo são palavras velhas.
Faz-se um telhado sem telhas
para que chova lá dentro
e afogam-se os moribundos
dentro do guarda-vestidos
entre vaias e gemidos.
Ó caralho! Ó caralho!
Há gente que não faz nada
nem sequer coçar as pernas.
Há gente que não se importa
de viver feita aos bocados
com uma alma tão morta
que os mortos berram à porta
dos vivos que estão calados.
Ó caralho! Ó caralho!
Já é tempo de aprender
quanto custa a vida inteira
a comer e a beber
e a viver dessa maneira.
Já é tempo de dizer
que a fome tem outro nome.
Que viver já é ter fome.
Ó caralho! Ó caralho!

Ó caralho!


Joaquim Pessoa
"In 125 POEMAS.Antologia Poética"

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Cristovam Pavia


Não Fugir

(Ao Nuno)

Não fugir. Suster o peso da hora
Sem palavras minhas e sem os sonhos,
Fáceis, e sem as outras falsidades.
Numa espécie de morte mais terrível
Ser de mim despojado, ser
abandonado aos pés como um vestido.
Sem pressa atravessar a asfixia.
Não vergar. Suster o peso da hora
Até soltar sua canção intacta.

Cristovam Pavia (1933-1968)
"In Rosa do Mundo 2001 Poemas para o Futuro"

Arany János


CIVILIZAÇÃO

Nas guerras, antigamente,
não seguiam um princípio:
o mais forte ao mais fraco
roubava o que podia.

Agora, não é assim.
Mundo regem conferências.
Se mais forte faz sujeira,
reúnem-se – dão anuência.

Arany Jánus
(Hungria 1817-1882)
Tradução de Ernesto Rodrigues
"in Rosa do Mundo 2001 Poemas para o Futuro"

Fiama Hasse Pais Brandão


Amor é o olhar total.


Amor é o olhar total, que nunca pode
ser cantado nos poemas ou na música,
porque é tão-só próprio e bastante,
em si mesmo absoluto táctil,
que me cega, como a chuva cai
na minha cara, de faces nuas,
oferecidas sempre à água.

Fiama Hasse Pais Brandão

Gabriel, O Pensador - Dança do Desempregado.

Juan Del Valle y Caviedes


PRIVILÉGIOS DO POBRE


Se se cala, o pobre é parvo;
um maçador, se é palreiro;
bisbilhoteiro, se sabe;
se é afável, é embusteiro;
se é gentil, intrometido,
se não atura é soberbo;
cobarde, quando é humilde,
se é audaz, não possui tento;
se é valente, é temerário;
presunçoso, se é discreto;
adulador, se obedece,
se algo recusa, é grosseiro;
com pretensões, atrevido;
com méritos, não ganha apreço;
sua nobreza é oculta,
sua veste sem esmero;
se trabalha é ambicioso,
e, pelo contrário extremo,
um perdido se descansa…
Vejam bem que privilégio!

Juan Del Valle y Caviedes
(Peru 1652-1696)
Tradução de José Bento
"In Rosa do Mundo 2201 Poemas para o Futuro"

Georg Weerth


A CANÇÃO DA FOME

Prezado senhor e rei,
Sabes a notícia grada?
Segunda comemos pouco,
Terça não comemos nada.

Quarta sofremos miséria,
E quinta passámos fome;
Na sexta quase nos fomos -
Não se aguenta quem não come!

Por isso vê se no sábado
Mandas cozer o pãozinho,
Senão no domingo, ó rei,
Vamos comer-te inteirinho!

(Georg Weerth- Alemanha- 1822/1856)
Tradução de João Barrento
"in Rosa do Mundo 2001 poemas para o futuro"

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Sophia de Mello Breyner


Esta gente cujo rosto...


Esta gente cujo rosto
ás vezes luminoso
E outras vezes tosco


Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre

Pois gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome

E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova

E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
De um tempo justo

Sophia de Mello Breyner

Teresa Tarouca / Pedro Homen de Melo

Bob Dylan nasceu a 24 de Maio de 1941

domingo, 23 de maio de 2010

Juan Luis Panero


A MEMÓRIA E A MORTE

Só são tuas - na verdade - a memória e a morte,
a memória que apaga e desfigura
e a sombra da morte que aguarda.
Só lembranças fantasmais e o nada
repartem entre si a herança sem destino.
Depois de contratos sórdidos,mentiras,
de gestos inoportunos e palavras
- irreais palavras ilusórias -,
só um testamento de cinza
que o vento move,espalha e desordena.

Juan Luis Panero
"in Rosa do Mundo 2001 Poemas para o futuro"
Trd. de José Bento

Ruy Belo


O PORTUGAL FUTURO

o portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe da infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e chamem elas o que lhe chamarem
portugal será e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o portugal futuro


Ruy Belo
"IN Todos os Poemas"

Ruy Belo


TRISTEZA BRANDA


Num dia destes de tristeza mansa
cansado já de tanto experimentar
eu que só ainda me não matei
talvez gostasse de me matar


Mas se porventura me desse mal
que ao menos fosse lícito voltar
Ver os amigos e os inimigos
e pelas ruas outra vez passar


Mas agora que cantei da tristeza
não observo já os mais leves traços
e a minha maneira de me matar
é deixar cair ambos os braços

Ruy Belo
"In TODOS os POEMAS"

Joan Margarit


SATURNO



Rasgaste os meus livros de poemas
e deitaste-os para a rua pela janela.
As folhas, como estranhas borboletas,
iam pairando por cima das pessoas.
Não sei se agora nos entenderíamos,
dois homens velhos, cansados e desiludidos.
De certeza que não. Deixemo-lo assim.
Tu querias devorar-me. Eu, matar-te.
Eu, o filho que tiveste durante a guerra.


JOAN MARGARIT
Casa da Misericórdia
(trad. Rita Custódio e Àlex Tarradellas)
Ovni, 2009

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Quem manda trabalhos para casa?


Recentemente a editora Civilização publicou o livro "365 Piadas Novas". Segundo os ilustres editores é um livro didáctico para crianças com idade superior a 7 anos. Sem comentários (por respeito aos professores e vergonha...) aqui deixo uma das "ditas" piadas. Os professores devem continuar a comprar livros desta gente...

Ruy Belo


SONETO SUPERDESENVOLVIDO


É tão suave ter bons sentimentos
consola tanto a alma de quem os tem
que as boas acções são inesquecíveis momentos
e é um prazer fazer o bem.


Por isso, quando no Verão se chega a uma esplanada
sabe melhor dar esmola que beber a laranjada
consola mais viver entre os muito pobres
que conviver com gente a quem não falta nada.


E ao fim de tantos anos a dar do que é seu
independentemente da maneira como se alcançou
ainda por cima se tem lugar garantido no céu
gozo acrescido ao muito que se gozou.


Teria este (se não tivesse outro sentido)
ser natural de um país subdesenvolvido.

Ruy Belo
(1933-1978)
"in Homem de Palavra(s)

Ruy Belo


OS ESTIVADORES



Só eles suam mas só eles sabem
o preço de estar vivo sobre a terra
Só nessas mãos enormes é que cabem
as coisas mais reais que a vida encerra

Outros rirão e outros sonharão
podem outros roubar-lhes a alegria
mas a um deles é que chamo irmão
na vida que em seus gestos principia

Onde outrora houve o deus e houve a ninfa
eles são a moderna divindade
e o que dantes era pura linfa
é o que sobra agora da cidade

Vede como alheios a tudo o resto
compram com o suor a claridade
e rasgam com a decisão do gesto
o muro oposto da gravidade

Ode marítima é o que chamo à ode
escrita ali sobre a pedra do cais
A natureza é certo que muito pode
mas um homem de pé pode bem mais

Ruy Belo
(1933-1978)
"in Homem de Palavra(s)

sábado, 15 de maio de 2010

Luís Cília / José Gomes Ferreira

Luís Cília / José Carlos Ary dos Santos

Erich Muhsam



O REVOLUCIONISTA


Era um revolucionista
Limpava candeeiros a gás;
Marchava que enchia a vista
C’os companheiros, o rapaz!

Diz: «Vou revolucionar!»
E de boné revoltoso
P’rà banda esquerda a tombar,
Até se julga perigoso.

Mas a revoltosa gente
Mete pela rua de trás,
Onde ele, pacatamente,
Limpava os candeeiros a gás.

Às lanternas deitam mão,
No pavimento enterradas;
Querem arrancá-las do chão
P’ra construir barricadas.

E o nosso revolucionista
Grita: «Eu sou o lavador
Desta luz que é nossa vista
Não ma tirem, por favor!

Se lhe cortarem o gás,
Não vê nada o bom burguês.
Por favor, voltem atrás! –
senão, não vou com vocês!»

Mas os revoluças riram,
E o lavador foi-se embora;
Os candeeiros a gás caíram –
Ele, desespera e chora.

Ficou em casa a escrever
Um livro em que diz como é
Que se revolve a valer
Deixando os candeeiros de pé.

Erich Muhsam
(1878-1934)
Tradução de João Barrento
"In Rosa do Mundo 2001 Poemas para o Futuro"

Frantisek Halas


VERSOS


Tão cego
apesar da felicidade da vista
tão surdo
apesar do privilégio do ouvido

Uma folha ao vento só tu na romanza
o pássaro na rede Na chuva um cantar
um verme na rosa na esperança uma armadilha
lágrimas na garganta Nas tuas palavras sangue

Tão cego
apesar da felicidade da vista
tão surdo
apesar do privilégio do ouvido

Frantisek Halas
(1901-1949)
Tradução de Ernesto Sampaio
"In Rosa do Mundo 2001 Poemas Para o Futuro"

Toon Tellegen


EU PODIA ESCOLHER

Não tinha ideia.
Escolhi a paz.

A verdade e a beleza
deixei-as ir,
e também a sageza e a nostalgia –
até o amor,
que tão embevecido me olhava,
negras nuvens com ele se deslocavam.

Paz, era paz.
E nos recônditos da minha alma
dançavam seres
de que nunca tinha sequer ouvido!

E no céu pendia um outro sol.

Tonn Tellegen
Tradução de Fernando Venâncio
"in Rosa do Mundo 2001 Poemas para o Futuro"

Robert Creeley


SEGUNDO LORCA


A igreja é um negócio e os ricos
são os homens de negócios.
Quando tocam os sinos, os
pobres entram e amontoam-se e quando um pobre morre, tem uma
cruz
de madeira, e apressam-se na cerimónia.

Mas quando um rico morre,
retiram o Sacramento
e uma Cruz dourada e vão doucement, doucement
para o cemitério.
E os pobres adoram
e acham fantástico.

Robert Creeley
Tradução de José Alberto Oliveira
"In Rosa do Mundo 2001 Poemas para o Futuro"

Bertol Brecht


AOS QUE VIRÃO A NASCER

I

É verdade, vivo em tempo de trevas!
É insensata toda a palavra ingénua. Uma testa lisa
Revela insensibilidade. Os que riem
Riem porque ainda não receberam
A terrível notícia.

Que tempos são estes, em que
Uma conversa sobre árvores é quase um crime
Porque traz em si um silêncio sobre tanta monstruosidade?
Aquele ali, tranquilo a atravessar a rua,
Não estará já disponível para os amigos
Em apuros?

É verdade: ainda ganho o meu sustento.
Mas acreditem: é puro acaso. Nada
Do que eu faço me dá o direito de comer bem.
Por acaso fui poupado (Quando a sorte me faltar, estou perdido)

Dizem-me: Come e bebe! Agradece por teres o que tens!
Mas como posso eu comer e beber quando
Roubo ao faminto o que como e
O meu copo de água falta a quem morre de sede?
E apesar disso eu como e bebo.

Também eu gostava de ter sabedoria
Nos velhos livros está escrito o que é ser sábio:
Retirar-se das querelas do mundo e passar
Este breve tempo sem medo.
E também viver sem violência
Pagar o mal com o bem
Não realizar os desejos, mas esquecê-los
Ser sábio é isto.
E eu nada disso sei fazer!
É verdade, vivo em tempo de trevas!

II

Cheguei às cidades nos tempos da desordem
Quando aí grassava a fome
Vim viver com os homens nos tempos de revolta
E com eles me revoltei.
E assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.

Comi o meu pão entre batalhas
Deitei-me a dormir entre assassinos
Dei-me ao amor sem cuidados
E olhei a natureza sem paciência.
E assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.

No meu tempo as ruas iam dar ao pântano.
A língua traiu-me ao carniceiro.
Pouco podia fazer. Mas os senhores do mundo
Sem mim estavam mais seguros, esperava eu.
E assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.

As forças eram poucas. A meta
Estava muito longe
Claramente visível, mas nem por isso
Ao meu alcance.E assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.

III

Vós que surgireis do dilúvio
Em que nós nos afundámos
Quando falardes das nossas fraquezas
Lembrai-vos
Também do tempo das trevas
A que escapastes.

Pois nós, mudando mais vezes de país que de sapatos, atravessámos
As guerras de classes, desesperados
Ao ver só injustiça e não revolta.

E afinal sabemos:
Também o ódio contra a baixeza
Desfigura as feições.
Também a cólera contra a injustiça
Torna a voz rouca. Ah, nós
Que queríamos desbravar o terreno para a amabilidade
Não soubemos afinal ser amáveis.

Mas vós, quando chegar a hora
De o homem ajudar o homem
Lembrai-vos de nós
Com indulgência.

Bertolt Brecht
(1898-1956)
Tradução de João Barrento
"in Rosa do Mundo 2001 Poemas para o Futuro"

Kurt Tucholsky


O SORRISO DA MONA LISA


Não posso desviar de ti o olhar.
Pois, por sobre o homem que te guarda,
Estás suspensa, as mãos cruzadas devagar,
E sorris, calada.

És célebre como a tal Torre de Pisa,
O teu sorriso passa por ironia.
Sim... porque é que ri a Mona Lisa?
Ri-se de nós, por nós, apesar de nós, contra nós –
Ou que mais o teu riso nos diria?
Calma nos ensinas o que tem de acontecer.
Porque o teu retrato, Lisa, claro no-lo diz:
Quem deste mundo tanto pôde ver –
Cruza as mãos, cala e sorri, como tu sorris.

Kurt Tucholsky
(1890-1935)
Tradução de Paulo Quintela
"in Rosa do Mundo 2001 Poemas para o Futuro"

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Baltasar Garzón.


Baltasar Garzón foi esta tarde suspenso da sua actividade de juiz por querer julgar os crimes do Franquismo. Esta tarde foi internado num Hospital de Espanha com uma crise de Hipertensão e Ansiedade...Francisco Franco (Feito Generalíssimo de Espanha por vontade de Deus) que tinha morrido a 20/11/1975 saiu do seu túmulo de luxo no Val dos Caídos... O mundo,civilizado está de luto...e eu não tenho palavras para mostrar a minha revolta.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Mahmud Darwish (Palestina)


Só me resta
perder-me pela tua sombra,que é a minha.
só me resta
habitara tua voz,que é a minha.

afastei-me da cruz estendida
como claridade em horizonte que não se inclina
até ao mais minúsculo monte que a vista alcança
mas não achei minha ferida, minha liberdade.

porque não sei onde moras
não encontro o caminho,
e porque meu dorso não se apoia em ti com pregos
inclinei-me tanto
como teus céus fazem
a quem espreita de escotilhas de avião

devolve-me os pedaços do meu nome
para que possa convocar as fibras das árvores
devolve-me as letras do meu rosto
para que possa chamar as tempestades próximas
devolve-me as razões do meu prazer
para possa invocar esse regresso sem razão

porque minha voz está seca como pau de bandeira
e a mão vazia como o hino nacional
porque a minha sombra é ampla como se fora uma festa
e os traços do meu rosto se passeiam de ambulância,
porque eu não sou mais do que isto:
o cidadão de um reino que não nasceu ainda.

Mahmud Darwish
Tradução de Adalberto Alves
"in Rosa do Mundo 2001 poemas para o futuro"

Gastão Cruz


De cada vez



Contínua realidade que me sorves os dias
como hei-de responder-te se vives incluída
dos meus olhos abertos nas ávidas e frias
pedras incertas vida

prisioneira do espelho que embacias
de cada vez que a turva suicida
torna ao morrer visíveis
as formas com que comes os meus dias


Gastão Cruz

Gonzalo Vásquez


O MEU PAÍS

Este país solitário na sua agonia,
tão nu na sua altura,
tão sofrido no seu sonho,
com o passado a latejar em cada ferida.

A sua nostalgia deflagra
além da pedra;
o metal pairava no sangue
a arder no destino do homem.

De onde flui o rio escuro
a esculpir um rosto áspero como o seu clima,
profundo como o silêncio granítico?

Este país não tem quem o acompanhe
na sua tristeza,
nenhuma mão a deter
o vento furioso
que avança pelas ruas.

Caem lágrimas solitárias
dos seus rostos,
imagens perfuram as pupilas:
o louco assombro da história.
Dissipou-se na morte
o seu coração oculto,
só restou uma caverna de vermes.

Este país tão amado
afundou-se na dor.
É dividido sem piedade,
os ouvidos moucos ao se pranto.
Que destroçado cristal do céu,
que negra a cinza do se corpo
castigado pelo ódio.

Este país
nasceu para o tempo e a esperança,
hoje guarda apenas
a ternura órfã,
a humilde mistura,
a carne extraviada e dolorida!

Gonzalo Vásquez
(Tradução de Jorge Henrique Bastos)
"in Rosa do MUndo 2001 poemas para o futuro"

José Gomes Ferreira


NÃO CHORO...


A dor não me pertence.

Vive fora de mim, na natureza,
livre como a electricidade.

Carrega os céus de sombra,
entra nas plantas,
desfaz as flores...

Corre nas veias do ar,
atrai nos abismos,
curva os pinheiros...

E em certos momentos de penumbra
iguala-me à paisagem,
surge nos meus olhos
presa a um pássaro a morrer
no céu indiferente.

Mas não choro. Não vale a pena!
A dor não é humana.

José Gomes Ferreira
(1900-1985)

Nicolás Guillén


RESPONDE TU


Tu, que partiste de Cuba,
responde tu,
- onde acharás verde e verde,
azul e azul,
palmeiras e palmeiras sob o céu ?
Responde tu.

Tu, que tua língua esqueceste,
responde tu,
e em língua estrangeira mastigas
o well e o you,
- como viver podes mudo ?
Responde tu.

Tu, que deixaste a terra,
responde tu,
onde teu pai repousa
sob uma cruz,
- onde deixarás teus ossos ?
Responde tu.

Ah infeliz, responde,
responde tu,
onde acharás verde e verde,
azul e azul,
palmeiras e palmeiras sob o céu ?
Responde tu.

Trad. José Bento
in Rosa do Mundo – 2001 Poemas Para o Futuro
Porto 2001 – Assírio Alvim

Pablo Milanés / Nicolas Guillén "Responde tú"

domingo, 9 de maio de 2010

Pedro Tamen


A mão.É esta mão que percorre


A mão.É esta mão que percorre
a pele curtida dos anos,
por anos de livres passos,
por ares de bosques e serras,
e vem aqui aninhar-se
entre estes dedos nodosos,
doridos,desajeitados,
que cumprem o seu dever
para nela pôr o ser
de uma nova liberdade.

Pedro Tamen
(O Livro do Sapateiro)

Pedro Tamen


No clandestino recanto

No clandestino recanto
em que sentado labuto
os pespontos do meu canto,

neste perdido reduto
em que as mãos amadurecem
a peça que fugirá
das mãos dos que não merecem
para andar ao deus-dará
num universo de espanto

em que o amor vai curtido,
calado, surdo, tingido
de uma cor que é o sentido
da salvação que acalanto

-aqui me caio e levanto.

Pedro Tamen
(O Livro do Sapateiro)

sábado, 8 de maio de 2010

Ewa Lipska


TESTAMENTO


Após a morte de Deus
abriremos o testamento
para saber
a quem pertence o mundo
e aquela grande armadilha
de homens.

Ewa Lipska
(Tradução de Aleksandar Jovanovic)

Casa da Misericórdia de Joan Margarit

Joan Margarit


Ser Velho

Entre as sombras daqueles galos e cães
dos quintais e currais de Sanaüja,
há um buraco de tempo perdido e chuva suja
que vê os meninos ir contra a morte.
Ser velho é uma espécie de pós-guerra.
Sentados à mesa da cozinha
em noites de braseiro a escolher lentilhas
vejo os que me amavam.
Tão pobres que no fim daquela guerra
tiveram de vender a miserável
porção de vinha e o casarão gélido.
Ser velho é a guerra já ter acabado.
Saber onde estão os refúgios, agora inúteis.


Joan Margarit
(Casa da Misericórdia)

Pedro Tamen


Poema

Amo o sapato que faço
na própria mão que o percorre,
no calo e nas unhas sujas,
na velhice do inchaço
de uma artrose de quem morre
mas não antes que me fujas;
ó meu sapato de milho,
de juventude virada
para um pé ao pé da mão,
sapato que és mãe e filho
da minha arte calada
de entre cordeiro e leão

Pedro Tamen
(O livro do Sapateiro)

Joan Margarit


CASA DA MISERICÓRDIA

O pai fuzilado.
Ou, como diz o juiz, executado.
A mãe, a miséria e a fome,
a instância que alguém lhe escreve à máquina:
Saludo al vencedor, Segundo Año Triunfal,
Solicito a Vuecencia deixar os filhos
nesta Casa da Misericórdia.

O frio do seu amanhã está numa instância.
Os orfanatos e hospícios eram duros,
mas ainda mais dura era a intempérie.
A verdadeira caridade dá medo.
É como a poesia: um bom poema,
por mais belo que seja, tem de ser cruel.
Não há mais nada. A poesia é agora
a última casa da misericórdia.

Joan Margarit

terça-feira, 4 de maio de 2010

Alpedrinha


(Foto Fel de Cão)

Brufe


(Foto Fel de Cão)

Castelo Novo


(Foto Fel de Cão)

História pouco Cliníca.

Em 30 anos de prática de Medicina tenho histórias, algumas muito interessantes,ligadas a este conviver com os doentes.Hoje fiquei de "cara ao lado" com um doente.Entrou no consultório do Centro de Saúde pede-me para eu lhe marcar duas consultas.Antes que eu abrisse a boca disse:-Quero uma para o médico dos olhos e outra para o médico dos ouvidos.Respirei fundo...olhei para ele..e ele dispara...-Ando a ver e a ouvir os políticos todos na televisão e...E NÃO VEJO NADA DAQUILO QUE OUÇO...por isso o sr. Dr faça-me o favor marque para os dois...Sorri,apertei-lhe a mão e marquei as consultas...Fiquei a pensar...não te vais safar!

A República dos Galifões foi fundada a 4 de Maio de 1947.


Foi há 63 anos que a minha casa de Coimbra (A minha República) foi fundada. Tenho a certeza absoluta que nunca seria o que hoje sou se não tivesse vivido e estudado naquela casa. Se na Faculdade de Medicina aprendi a ser médico foi a partir da República dos Galifões que aprendi a ser homem.Vieram dali a solidariedade o inconformismo a cultura e tantos outros valores.Quem vive,como eu vivi, de 1974 a 1979 naquele meio Académico fica marcado...e eu fiquei. Saudações Galifónicas para todos os antigos e actuais repúblicos.

domingo, 2 de maio de 2010

Eugénio de Andrade

(Retrato de Alberto Péssimo)
RETRATO

No teu rosto começa a madrugada.
Luz abrindo,
de rosa em rosa,
transparente e molhada.

Melodia
distante mas segura;
irrompendo da terra,
quente, redonda, madura.

Mar imenso,
praia deserta, horizontal e calma.
Sabor agreste.
Rosto da minha alma.

Eugénio de Andrade

Neste País até nas árvores existem "Buracos".

(Foto fel de Cão,algures,na Ribeira do Fárrio)

John Lennon "Imagine"

A 2 de Maio de 1968 (há 42 anos) tinham início as primeiras manifestações estudantis do chamado "Maio de 68"

sábado, 1 de maio de 2010

António Botto


O Brinco da tua Orelha

O brinco da tua orelha
Sempre se vai meneando;
Gostava de dar um beijo.
Onde o teu brinco os vai dando.
Tem um topázio doirado
esse brinco de platina;
Um rubi muito encarnado,
e uma outra pedra fina.
O que eu sofro quando o vejo
sempre airoso meneando!
Dava tudo por um beijo
onde o teu brinco os vai dando.

António Botto

Geraldo Bessa Victor


Poema para a Negra

Deixa que os outros cantem o teu corpo
que dizem feiticeiro e sedutor,
e, na volúpia vã do pitoresco,
entoem madrigais á tua dor.

Deixa que os outros cantem teus requebros
nos passos de massemba e quilapanga,
e teus olhos onde há noites de luar,
e teus beiços que têm sabor de manga.

Deixa que os outros cantem os teus usos
como aspectos formais da tua graça,
nessa conquista fácil do exotismo
que dizem descobrir na nossa raça.

Deixa que os outros cantem o teu corpo,
na captação atônita do viço
e fiquem sempre, toda a vida, a olhar
um muro de mistério e de feitiço...

Deixa que os outros cantem o teu corpo
- que eu canto do mais fundo do teu ser,
ó minha amada, eu canto a própria África,
que se fez carne e alma em ti, mulher!

Geraldo Bessa Victor

Luís Cília / José Saramago "Contracanto"

Luís Cília / Geraldo Bessa Victor "O menino negro não entrou na roda"

Luís Cília / Daniel Filipe "Meu País"

José Gomes Ferreira


(Lema do meu brasão:)



Viva a solidão!
que cerra mais e mais
os punhos dos homens
-para terem a ilusão
dos dedos iguais.

José Gomes Ferreira

José Gomes Ferreira


(O soneto que só errado ficou certo.)


Se eu pudesse iluminar por dentro as palavras de todos os dias
para te dizer, com a simplicidade do bater do coração,
que afinal ao pé de ti apenas sinto as mãos mais frias
e esta ternura dos olhos que se dão.

Nem asas, nem estrelas, nem flores sem chão
- mas o desejo de ser a noite que me guias
e baixinho ao bafo da tua respiração
contar-te todas as minhas covardias.

Ao pé de ti não me apetece ser herói
mas abrir-te mais o abismo que me dói
nos cardos deste sol de morte viva.

Ser como sou e ver-te como és:
dois bichos de suor com sombra aos pés.
Complicações de luas e saliva.


José Gomes Ferreira, Poesia IV

Eugénio de Andrade

(Foto Fel de Cão)
ARTE DOS VERSOS

Toda a ciência está aqui,
na maneira como esta mulher
dos arredores de Cantão,
ou dos campos de Alpedrinha,
rega quatro ou cinco leiras
de couves: mão certeira
com a água,
intimidade com a terra,
empenho do coração.
Assim se faz o poema.


Eugénio de Andrade
(Rente ao Dizer)