Primavera
Todo o amor que nos
prendera
como se fora de cera
se quebrava e desfazia
ai funesta primavera
quem me dera, quem nos dera
ter morrido nesse dia
E condenaram-me a tanto
viver comigo meu pranto
viver, viver e sem ti
vivendo sem no entanto
eu me esquecer desse encanto
que nesse dia perdi
Pão duro da solidão
é somente o que nos dão
o que nos dão a comer
que importa que o coração
diga que sim ou que não
se continua a viver
Todo o amor que nos
prendera
se quebrara e desfizera
em pavor se convertia
ninguém fale em primavera
quem me dera, quem nos dera
ter morrido nesse dia
David Mourão-Ferreira
terça-feira, 30 de junho de 2009
segunda-feira, 29 de junho de 2009
domingo, 28 de junho de 2009
Poema.
Chove. Há Silêncio
Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva
Não faz ruído senão com sossego.
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva
Do que não sabe, o sentimento é cego.
Chove. Meu ser (quem sou) renego...
Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece...
Não paira vento, não há céu que eu sinta.
Chove longínqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.
Chove. Nada em mim sente...
Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"
Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva
Não faz ruído senão com sossego.
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva
Do que não sabe, o sentimento é cego.
Chove. Meu ser (quem sou) renego...
Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece...
Não paira vento, não há céu que eu sinta.
Chove longínqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.
Chove. Nada em mim sente...
Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"
Poema
Um Dia de Chuva
Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol.
Ambos existem; cada um como é.
Alberto Caeiro
Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol.
Ambos existem; cada um como é.
Alberto Caeiro
sábado, 27 de junho de 2009
Poema.
sexta-feira, 26 de junho de 2009
segunda-feira, 22 de junho de 2009
Poema
Conquista
Livre não sou, que nem a própria vida
Mo consente.
Mas a minha aguerrida
Teimosia
É quebrar dia a dia
Um grilhão da corrente.
Livre não sou, mas quero a liberdade.
Trago-a dentro de mim como um destino.
E vão lá desdizer o sonho do menino
Que se afogou e flutua
Entre nenúfares de serenidade
Depois de ter a lua!
Miguel Torga, in 'Cântico do Homem'
Conquista
Livre não sou, que nem a própria vida
Mo consente.
Mas a minha aguerrida
Teimosia
É quebrar dia a dia
Um grilhão da corrente.
Livre não sou, mas quero a liberdade.
Trago-a dentro de mim como um destino.
E vão lá desdizer o sonho do menino
Que se afogou e flutua
Entre nenúfares de serenidade
Depois de ter a lua!
Miguel Torga, in 'Cântico do Homem'
domingo, 21 de junho de 2009
sábado, 20 de junho de 2009
AVÔ CROCODILO
Diz a lenda
e eu acredito!
O sol na pontinha do mar
abriu os olhos
e espraiou os seus raios
e traçou uma rota
Do fundo do mar
um crocodilo pensou buscar o seu destino
e veio por aquele rasgo de luz
Cansado, deixou-se estirar
no tempo
e suas crostas se transformaram
em cadeias de montanhas
onde as pessoas nasceram
e onde as pessoas morreram
Avô crocodilo
-diz a lenda
e eu acredito!
é Timor!
(Cipinang, 8 de Outubro de 1995)
(Xanana Gusmão) -Ilha de Jaco o Perfil do Grande Crocodilo.
sexta-feira, 19 de junho de 2009
Poema
Poema.
Hora da Partida
A hora da partida soa quando
Escurecem o jardim e o vento passa,
Estala o chão e as portas batem, quando
A noite cada nó em si deslaça.
A hora da partida soa quando
As árvores parecem inspiradas
Como se tudo nelas germinasse.
Soa quando no fundo dos espelhos
Me é estranha e longínqua a minha face
E de mim se desprende a minha vida.
Sophia de Mello Breyner Andresen
A hora da partida soa quando
Escurecem o jardim e o vento passa,
Estala o chão e as portas batem, quando
A noite cada nó em si deslaça.
A hora da partida soa quando
As árvores parecem inspiradas
Como se tudo nelas germinasse.
Soa quando no fundo dos espelhos
Me é estranha e longínqua a minha face
E de mim se desprende a minha vida.
Sophia de Mello Breyner Andresen
quarta-feira, 17 de junho de 2009
Poema
terça-feira, 16 de junho de 2009
Abandono
(Este fado ficou conhecido como Fado Peniche)
Por teu livre pensamento
Foram-te longe encerrar
Tão longe que o meu lamento
Não te consegue alcançar
E apenas ouves o vento
E apenas ouves o mar
Levaram-te a meio da noite
A treva tudo cobria
Foi de noite numa noite
De todas a mais sombria
Foi de noite, foi de noite
E nunca mais se fez dia.
Ai! Dessa noite o veneno
Persiste em me envenenar
Oiço apenas o silêncio
Que ficou em teu lugar
E ao menos ouves o vento
E ao menos ouves o mar.
David Mourão-Ferreira
David Mourão Ferreira morreu a 16/06/1966.
SONETO DO CATIVO
Se é sem duvida Amor esta explosão
de tantas sensações contraditórias;
a sórdida mistura das memórias,
tão longe da verdade e da invenção;
o espelho deformante; a profusão
de frases insensatas, incensórias;
a cúmplice partilha nas histórias
do que os outros dirão ou não dirão;
se é sem dúvida Amor a cobardia
de buscar nos lençóis a mais sombria
razão de encantamento e de desprezo;
não há dúvida, Amor, que te não fujo
e que, por ti, tão cego, surdo e sujo,
tenho vivido eternamente preso!
David Mourão Ferreira
segunda-feira, 15 de junho de 2009
domingo, 14 de junho de 2009
"A felicidade está onde nós a pomos, mas nós nunca a pomos onde nós estamos"
"A experiência tem uma escola em que as lições custam caro, mas é a única em que os tolos se podem instruir"
"A eloquência parlamentar é uma campainha que se toca quando chega a hora do jantar"
(Do Grande Livro dos Provérbios de José Pedro Machado)
sábado, 13 de junho de 2009
Fernando Pessoa nasceu, em Lisboa, a 13 de Junho de 1888
sexta-feira, 12 de junho de 2009
quinta-feira, 11 de junho de 2009
quarta-feira, 10 de junho de 2009
Do PUBLICO
10 de Junho
Homenagem de Cavaco a Salgueiro Maia é "envergonhada"
por Lusa Hoje
O investigador António Sousa Duarte criticou hoje o presidente da República por ter homenageado Salgueiro Maia, vinte anos depois de, enquanto primeiro-ministro, lhe ter recusado uma pensão, considerando que a homenagem de hoje é "envergonhada, tímida e sem chama".
Para António Sousa Duarte - autor de uma biografia sobre aquele capitão de Abril, intitulada "Salgueiro Maia - Um homem da Liberdade" -, a homenagem de hoje de Cavaco Silva ao capitão de Abril é "justa", mas "tímida, envergonhada, discreta e muito fugaz", sendo ainda "um erro em cima de outro erro", ou seja, "um duplo erro".
Em declarações à agência Lusa, António Sousa Duarte considera que, embora não se pedisse hoje ao Presidente da República que fizesse um "pedido de desculpa" em relação ao que fez há 20 anos - quando, enquanto primeiro-ministro, recusou a atribuição de uma pensão àquele capitão de Abril - ter-lhe-ia "bastado, com humildade, dizer que, em circunstâncias análogas, não faria o que fez há 20 anos".
Para o investigador, a homenagem de hoje do Presidente da República a Salgueiro Maia é a "assumpção" e o "reconhecimento" de "um erro".
O autor da biografia de Salgueiro Maia afirmou que "de homenagens póstumas está Salgueiro Maia farto".
Sousa Duarte disse também que a homenagem de hoje do Presidente da República foi "ténuamente anestesiada", o que "prova" que "continua tudo como dantes".
Em 1988, o então primeiro-ministro Cavaco Silva recusou atribuir a Salgueiro Maia uma pensão que tinha sido pedida pelo capitão de Abril pelos "serviços excepcionais e relevantes prestados ao país" devido à sua participação no 25 de Abril, para a qual nunca obteve resposta, segundo declarações da viúva de Salgueiro Maia.
Aliás, a opinião de António Sousa Duarte contrasta com a da viúva do capitão de Abril, Natércia Salgueiro Maia que, em declarações ao jornal Público relativizou a controvérsia da não atribuição de pensão ao marido.
Natércia Salgueiro afirmou ao jornal Público que não seria "altura para entrar em polémicas".
A recusa ou a falta de resposta ao pedido de Salgueiro Maia só vieram a público três anos depois quando Cavaco Silva concordou com a atribuição de pensões a dois ex-inspectores da PIDE, um dos quais estivera envolvido nos disparos sobre a multidão concentrada à porta da sede daquela polícia política.
Só em 1995, já com António Guterres como primeiro-ministro, Salgueiro Maia viria a receber uma "pensão de sangue".
Homenagem de Cavaco a Salgueiro Maia é "envergonhada"
por Lusa Hoje
O investigador António Sousa Duarte criticou hoje o presidente da República por ter homenageado Salgueiro Maia, vinte anos depois de, enquanto primeiro-ministro, lhe ter recusado uma pensão, considerando que a homenagem de hoje é "envergonhada, tímida e sem chama".
Para António Sousa Duarte - autor de uma biografia sobre aquele capitão de Abril, intitulada "Salgueiro Maia - Um homem da Liberdade" -, a homenagem de hoje de Cavaco Silva ao capitão de Abril é "justa", mas "tímida, envergonhada, discreta e muito fugaz", sendo ainda "um erro em cima de outro erro", ou seja, "um duplo erro".
Em declarações à agência Lusa, António Sousa Duarte considera que, embora não se pedisse hoje ao Presidente da República que fizesse um "pedido de desculpa" em relação ao que fez há 20 anos - quando, enquanto primeiro-ministro, recusou a atribuição de uma pensão àquele capitão de Abril - ter-lhe-ia "bastado, com humildade, dizer que, em circunstâncias análogas, não faria o que fez há 20 anos".
Para o investigador, a homenagem de hoje do Presidente da República a Salgueiro Maia é a "assumpção" e o "reconhecimento" de "um erro".
O autor da biografia de Salgueiro Maia afirmou que "de homenagens póstumas está Salgueiro Maia farto".
Sousa Duarte disse também que a homenagem de hoje do Presidente da República foi "ténuamente anestesiada", o que "prova" que "continua tudo como dantes".
Em 1988, o então primeiro-ministro Cavaco Silva recusou atribuir a Salgueiro Maia uma pensão que tinha sido pedida pelo capitão de Abril pelos "serviços excepcionais e relevantes prestados ao país" devido à sua participação no 25 de Abril, para a qual nunca obteve resposta, segundo declarações da viúva de Salgueiro Maia.
Aliás, a opinião de António Sousa Duarte contrasta com a da viúva do capitão de Abril, Natércia Salgueiro Maia que, em declarações ao jornal Público relativizou a controvérsia da não atribuição de pensão ao marido.
Natércia Salgueiro afirmou ao jornal Público que não seria "altura para entrar em polémicas".
A recusa ou a falta de resposta ao pedido de Salgueiro Maia só vieram a público três anos depois quando Cavaco Silva concordou com a atribuição de pensões a dois ex-inspectores da PIDE, um dos quais estivera envolvido nos disparos sobre a multidão concentrada à porta da sede daquela polícia política.
Só em 1995, já com António Guterres como primeiro-ministro, Salgueiro Maia viria a receber uma "pensão de sangue".
Poema.
O País Relativo
País por conhecer, por escrever, por ler...
País purista a prosear bonito,
a versejar tão chique e tão pudico,
enquanto a língua portuguesa se vai rindo,
galhofeira, comigo.
País que me pede livros andejantes
com o dedo, hirto, a correr as estantes.
País engravatado todo o ano
e a assoar-se na gravata por engano.
País onde qualquer palerma diz,
a afastar do busílis o nariz:
- Não, não é para mim este país!
Mas quem é que bàquestica sem lavar
o sovaco que lhe dá o ar?
Entrincheiram-se, hostis, os mil narizes
que há neste país.
País do cibinho mastigado
devagarinho.
País amador do rapapé,
do meter butes e do parlapié,
que se espaneja, cobertas as miúdas,
e as desleixa quando já ventrudas.
O incrível país da minha tia,
trémulo de bondade e de alegria.
Moroso país da surda cólera,
do repente que se quer feliz.
Já sabemos, país, que és um homenzinho...
País tunante que diz que passa a vida
a meter entre parêmtesis a cedilha.
A damisela passeia
no país da alcateia,
tão exterior a si mesma
que não é senão a fome
com que este país a come.
País do eufemismo, à morte dia a dia
pergunta mesureiro: - Como vai a vida?
País dos gigantones que passeiam
a importância e o papelão,
inaugurando esguichos no engonço
do gesto de nuvens ideia!
Corre, boleada, pelo azul,
a frota de nuvens pelo país.
País desconfiado a reolhar por cima
dum ombro que, com razão, duvida.
Este país, enquanto se alivia,
manda-nos à mãe, à irmã, à tia,
a nós e à tirania
sem perder tempo nem caligrafia.
Nesta mosquitomaquia
que é a vida,
ó país,
que parece comprida!
A Santa Paciência, país, a tua padroeira,
já perde a paciência à nossa cabeceira.
País pobrete e nada alegrete,
baú fechado com um aloquete,
que entre dois sudários não contém senão
a triste maçã do coração.
Que Santa Suplicanta nos conforte
na má vida, país, na boa morte!
País das troncas e delongas ao telefone
com mil cavilhas para cada nome.
Da ramona, país, que de viagens
tens, tão contrafeito...
Embezerra, país, que bem mereces,
prepara, no mutismo, teus efes e teus erres.
Desaninhada a perdiz,
não a discutas, país!
Espirra-lhe a morte pra cima
com os dois canos do nariz!
Um país maluco de andorinhas
tesourando as nossas cabecinhas
de enfermiços meninos, roda-viva
em que entrássemos de corpo e alegria!
Estrela trepa trepa pelo vento fagueiro
e ao país que te espreita, vê lá se o vês inteiro.
Hexágono de papel que o meu pai pôs no ar,
já o passo a meu filho, cansado de o olhar...
No sumapau seboso da terceira,
contigo viajei, ó país por lavar,
aturei-te o arroto, o pivete, a coceira,
a conversa pancrácia e o jeito alvar.
Senhor do meu nariz, franzi-te a sobrancelha;
entornado de sono, resvalaste pra mim.
Mas também me ofereceste a cordial botelha,
empinada que foi, tal e qual clarim!
Alexandre O'Neill, "Feira Cabisbaixa", 1965
País por conhecer, por escrever, por ler...
País purista a prosear bonito,
a versejar tão chique e tão pudico,
enquanto a língua portuguesa se vai rindo,
galhofeira, comigo.
País que me pede livros andejantes
com o dedo, hirto, a correr as estantes.
País engravatado todo o ano
e a assoar-se na gravata por engano.
País onde qualquer palerma diz,
a afastar do busílis o nariz:
- Não, não é para mim este país!
Mas quem é que bàquestica sem lavar
o sovaco que lhe dá o ar?
Entrincheiram-se, hostis, os mil narizes
que há neste país.
País do cibinho mastigado
devagarinho.
País amador do rapapé,
do meter butes e do parlapié,
que se espaneja, cobertas as miúdas,
e as desleixa quando já ventrudas.
O incrível país da minha tia,
trémulo de bondade e de alegria.
Moroso país da surda cólera,
do repente que se quer feliz.
Já sabemos, país, que és um homenzinho...
País tunante que diz que passa a vida
a meter entre parêmtesis a cedilha.
A damisela passeia
no país da alcateia,
tão exterior a si mesma
que não é senão a fome
com que este país a come.
País do eufemismo, à morte dia a dia
pergunta mesureiro: - Como vai a vida?
País dos gigantones que passeiam
a importância e o papelão,
inaugurando esguichos no engonço
do gesto de nuvens ideia!
Corre, boleada, pelo azul,
a frota de nuvens pelo país.
País desconfiado a reolhar por cima
dum ombro que, com razão, duvida.
Este país, enquanto se alivia,
manda-nos à mãe, à irmã, à tia,
a nós e à tirania
sem perder tempo nem caligrafia.
Nesta mosquitomaquia
que é a vida,
ó país,
que parece comprida!
A Santa Paciência, país, a tua padroeira,
já perde a paciência à nossa cabeceira.
País pobrete e nada alegrete,
baú fechado com um aloquete,
que entre dois sudários não contém senão
a triste maçã do coração.
Que Santa Suplicanta nos conforte
na má vida, país, na boa morte!
País das troncas e delongas ao telefone
com mil cavilhas para cada nome.
Da ramona, país, que de viagens
tens, tão contrafeito...
Embezerra, país, que bem mereces,
prepara, no mutismo, teus efes e teus erres.
Desaninhada a perdiz,
não a discutas, país!
Espirra-lhe a morte pra cima
com os dois canos do nariz!
Um país maluco de andorinhas
tesourando as nossas cabecinhas
de enfermiços meninos, roda-viva
em que entrássemos de corpo e alegria!
Estrela trepa trepa pelo vento fagueiro
e ao país que te espreita, vê lá se o vês inteiro.
Hexágono de papel que o meu pai pôs no ar,
já o passo a meu filho, cansado de o olhar...
No sumapau seboso da terceira,
contigo viajei, ó país por lavar,
aturei-te o arroto, o pivete, a coceira,
a conversa pancrácia e o jeito alvar.
Senhor do meu nariz, franzi-te a sobrancelha;
entornado de sono, resvalaste pra mim.
Mas também me ofereceste a cordial botelha,
empinada que foi, tal e qual clarim!
Alexandre O'Neill, "Feira Cabisbaixa", 1965
terça-feira, 9 de junho de 2009
Poema.
Sísifo
Recomeça....
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
(Miguel Torga)
Recomeça....
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
(Miguel Torga)
segunda-feira, 8 de junho de 2009
domingo, 7 de junho de 2009
Cavaco Silva / Salgueiro Maia
Segundo os jornais Cavaco Silva vai homenagear o Capitão de Abril Salgueiro Maia no âmbito das comemorações do dia 10 de Junho, que vão decorrer em Santarém. Tudo normal se nos esquecermos do passado... Em 1989,era Cavaco Silva primeiro-ministro, recusou conceder a Salgueiro Maia (gravemente doente com tratamentos,em Lisboa e em Londres, ao cancro que o viria a matar) uma pensão "Por serviços excepcionais e relevantes". Nessa altura a coisa não deu grande alarido. Só que ,em 1991, Cavaco Silva concedeu o que tinha recusado a Salgueiro Maia a dois criminosos da extinta PIDE/DGS António Augusto Bernardo e Óscar Cardoso pessoas sinistras de todos conhecidas. Aí a revolta foi grande e,na sua coluna, no Público, Francisco Sousa Tavares foi eco de toda a nossa revolta o que lhe valeu um processo no Supremo Tribunal Militar. Dois meses depois Mário Soares, Presidente da República, no dia das Forças Armadas, concedia ao Capitão de Abril a Ordem Militar da Torre e Espada...a única condecoração Portuguesa que dava direito a uma pensão. Perante isto os comentários são desnecessários... Mas é muito bom ter "memórias" embora,por vezes elas nos tragam revolta e sofrimento... Até sempre Capitão....
quinta-feira, 4 de junho de 2009
quarta-feira, 3 de junho de 2009
Poema.
Poética Contraditória
Não digas o que sabes nos teus versos,
Deixa para trás a ciência e a consciência;
Tudo aquilo que em ti não for ausência
São ideais perdidos, ou submersos.
Abandona-te às vozes que não ouves,
E liberta os teus deuses nos teus dedos;
Não busques os sorrisos, mas os medos,
E o que não for ignoto e só, não louves.
Ser misterioso e triste, é ser poeta:
Mesmo a luz que palpita nos teus cantos.
É uma imagem heróica dos teus prantos.
Percorre o teu caminho até ao fundo,
E com os versos que achaste, aumenta o mundo.
Não sejas um escritor, mas um profeta.
António Quadros in, «Viagem Desconhecida»
Não digas o que sabes nos teus versos,
Deixa para trás a ciência e a consciência;
Tudo aquilo que em ti não for ausência
São ideais perdidos, ou submersos.
Abandona-te às vozes que não ouves,
E liberta os teus deuses nos teus dedos;
Não busques os sorrisos, mas os medos,
E o que não for ignoto e só, não louves.
Ser misterioso e triste, é ser poeta:
Mesmo a luz que palpita nos teus cantos.
É uma imagem heróica dos teus prantos.
Percorre o teu caminho até ao fundo,
E com os versos que achaste, aumenta o mundo.
Não sejas um escritor, mas um profeta.
António Quadros in, «Viagem Desconhecida»
Poema
Para um Amigo Tenho Sempre
Para um amigo tenho sempre um relógio
esquecido em qualquer fundo de algibeira.
Mas esse relógio não marca o tempo inútil.
São restos de tabaco e de ternura rápida.
É um arco-íris de sombra, quente e trémulo.
É um copo de vinho com o meu sangue e o sol.
António Ramos Rosa, in "Viagem Através de uma Nebulosa"
Para um Amigo Tenho Sempre
Para um amigo tenho sempre um relógio
esquecido em qualquer fundo de algibeira.
Mas esse relógio não marca o tempo inútil.
São restos de tabaco e de ternura rápida.
É um arco-íris de sombra, quente e trémulo.
É um copo de vinho com o meu sangue e o sol.
António Ramos Rosa, in "Viagem Através de uma Nebulosa"
segunda-feira, 1 de junho de 2009
Em Cada Cem Pessoas.
Sabendo tudo mais que os outros:
- cinquenta e duas,
inseguras de cada passo:
⁃ quase todas as outras,
prontas a ajudar desde que isso não lhes tome muito tempo:
⁃ quarenta e nove, o que já não é mau,
sempre boas porque incapazes de ser outro modo:
⁃ quatro;
enfim, talvez cinco,
prontas a admirar sem inveja:
⁃ dezoito,
induzidas em erro por uma juventude, afinal tão efémera:
⁃ mais ou menos sessenta,
com quem não se brinca:
⁃ quarenta e quatro,
vivendo sempre angustiadas em relação a alguém ou a qualquer coisa:
⁃ setenta e sete,
dotadas para serem felizes:
⁃ no máximo vinte e tal,
inofensivas quando sozinhas, mas selvagens quando em multidão:
⁃ isso, o melhor é não tentar saber mesmo aproximadamente,
prudentes depois do mal estar feito:
⁃ não mais do que antes,
não pedindo nada da vida excepto coisas:
⁃ trinta, mas preferia estar enganado,
encurvadas, sofridas, sem um lanterna que lhes ilumine as trevas:
⁃ mais tarde ou mais cedo, oitenta e três,
justas:
⁃ pelo menos trinta e cinco, o que já não é mau,
mas se a isso juntarmos o esforço de compreender:
⁃ três,
dignas de compaixão:
⁃ noventa e nove,
mortais:
⁃ cem por cento, número que, de momento, não é possível mudar.
Wislawa Szymborska
- cinquenta e duas,
inseguras de cada passo:
⁃ quase todas as outras,
prontas a ajudar desde que isso não lhes tome muito tempo:
⁃ quarenta e nove, o que já não é mau,
sempre boas porque incapazes de ser outro modo:
⁃ quatro;
enfim, talvez cinco,
prontas a admirar sem inveja:
⁃ dezoito,
induzidas em erro por uma juventude, afinal tão efémera:
⁃ mais ou menos sessenta,
com quem não se brinca:
⁃ quarenta e quatro,
vivendo sempre angustiadas em relação a alguém ou a qualquer coisa:
⁃ setenta e sete,
dotadas para serem felizes:
⁃ no máximo vinte e tal,
inofensivas quando sozinhas, mas selvagens quando em multidão:
⁃ isso, o melhor é não tentar saber mesmo aproximadamente,
prudentes depois do mal estar feito:
⁃ não mais do que antes,
não pedindo nada da vida excepto coisas:
⁃ trinta, mas preferia estar enganado,
encurvadas, sofridas, sem um lanterna que lhes ilumine as trevas:
⁃ mais tarde ou mais cedo, oitenta e três,
justas:
⁃ pelo menos trinta e cinco, o que já não é mau,
mas se a isso juntarmos o esforço de compreender:
⁃ três,
dignas de compaixão:
⁃ noventa e nove,
mortais:
⁃ cem por cento, número que, de momento, não é possível mudar.
Wislawa Szymborska
"Sobre as Minhas Mortes"
À medida que ia alinhando estas ideias,fui-me dando conta de que,para além da palavra morte,uma outra saltava como contraponto impertinente no cenário um pouco sombrio que ia esboçando:a palavra esperança.A dignidade do homem projecta-se no porvir e é por isso alimentada por esse sentimento inefável que os doutores da Igreja elevaram à categoria de virtude teologal.
Sempre gostei de pensar a doença como uma viagem,por vezes longa,atribulada,imprevisível na sua rota,mas sempre assoprada pela esperança.O papel do médico é fazer o que a deusa Atena fez a Ulisses,ou seja, assegurar que quem cuidamos chegue a casa são e salvo.a morte é o naufrágio, a derrota que nos custa,por vezes cegos de orgulho,a aceitar.Tantas vezes me vem à cabeça uma das lendas da nossa história que mais me impressionaram em menino,no tempo em que a história nos era ensinada como uma gesta gloriosa salpicada por um punhado de percalços. Refiro-me ao episódio de Duarte de Almeida na batalha de Toro,o bravo porta-estandarte que,decepados ambos os braços,segurou a bandeira com a boca até à cutilada final.
E a esperança não é apenas uma virtuosa pulsão do doente que tratamos;é muitas vezes um sentimento colectivo e solidário, uma espécie de incenso que perfuma as situações mais insólitas. Se a esperança é de facto a última a morrer, não podemos aceitar que seja assassinada pelo médico.Recordo aqui um tio, que me era particularmente querido,que acompanhei a fazer uma radiografia ao tórax por uma tosse e uma dor persistentes.A imagem revelou uma neoplasia do pulmão inoperável.Ele olhou para mim e perguntou-me em pânico:«-Estou condenado, não estou?»Eu respondi-lhe, porque não fui capaz de me esquivar:«-Provavelmente está,mas vamos dar luta!...»
Para mim, um dos aspectos mais negligenciados da bioética contemporânea é o problema da esperança, pois o modo como se cuida da esperança é uma das tarefas mais sensíveis no tempo de morrer,um equilíbrio de acrobata entre a verdade e a mentira,por vezes piedosa ,por vezes cobarde.É bom recordar que a medicina, ou melhor ainda, o cuidar de alguém,exige, além de saber e sensibilidade ,uma virtude surpreendentemente esquecida que é a coragem moral.
(Do livro "Sobre a Mão e Outros Ensaios" de João Lobo Antunes Professor Catedrático de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina de Lisboa).
Sempre gostei de pensar a doença como uma viagem,por vezes longa,atribulada,imprevisível na sua rota,mas sempre assoprada pela esperança.O papel do médico é fazer o que a deusa Atena fez a Ulisses,ou seja, assegurar que quem cuidamos chegue a casa são e salvo.a morte é o naufrágio, a derrota que nos custa,por vezes cegos de orgulho,a aceitar.Tantas vezes me vem à cabeça uma das lendas da nossa história que mais me impressionaram em menino,no tempo em que a história nos era ensinada como uma gesta gloriosa salpicada por um punhado de percalços. Refiro-me ao episódio de Duarte de Almeida na batalha de Toro,o bravo porta-estandarte que,decepados ambos os braços,segurou a bandeira com a boca até à cutilada final.
E a esperança não é apenas uma virtuosa pulsão do doente que tratamos;é muitas vezes um sentimento colectivo e solidário, uma espécie de incenso que perfuma as situações mais insólitas. Se a esperança é de facto a última a morrer, não podemos aceitar que seja assassinada pelo médico.Recordo aqui um tio, que me era particularmente querido,que acompanhei a fazer uma radiografia ao tórax por uma tosse e uma dor persistentes.A imagem revelou uma neoplasia do pulmão inoperável.Ele olhou para mim e perguntou-me em pânico:«-Estou condenado, não estou?»Eu respondi-lhe, porque não fui capaz de me esquivar:«-Provavelmente está,mas vamos dar luta!...»
Para mim, um dos aspectos mais negligenciados da bioética contemporânea é o problema da esperança, pois o modo como se cuida da esperança é uma das tarefas mais sensíveis no tempo de morrer,um equilíbrio de acrobata entre a verdade e a mentira,por vezes piedosa ,por vezes cobarde.É bom recordar que a medicina, ou melhor ainda, o cuidar de alguém,exige, além de saber e sensibilidade ,uma virtude surpreendentemente esquecida que é a coragem moral.
(Do livro "Sobre a Mão e Outros Ensaios" de João Lobo Antunes Professor Catedrático de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina de Lisboa).
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